São Paulo, quinta-feira, 1 de setembro de 1994
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Espólios à vista

A mais recente pesquisa do Datafolha, concluída ontem e que se publica hoje, reforça a hipótese de que o pleito presidencial se decida já no primeiro turno. A Folha entretanto tem advertido sempre que cada pesquisa é apenas um retrato, reflete um momento da campanha. E desde já, aliás, convém até deter-se menos na questão do primeiro turno e mais no cenário que se repete, por trás dos sucessivos retratos: a política nacional pode mergulhar num vácuo de lideranças entre os partidos derrotados.
Parece claro que nem Orestes Quércia (PMDB) nem Leonel Brizola (PDT) escaparão de um naufrágio eleitoral de graves consequências políticas. No caso de Brizola, pela idade e por ser a segunda derrota consecutiva em pleitos presidenciais, a lógica manda dizer que terá sido a sua última tentativa. Tende a abrir-se, portanto, o espólio, se não do PDT, de porte apenas médio em termos de parlamentares federais, pelo menos do populismo.
O populismo, de que Brizola é a expressão acabada no Brasil, sempre teve uma presença importante na América Latina e, por mais que os estudiosos periodicamente o dêem por morto, sempre ressurge com alguma força mais adiante. Difícil é determinar, por antecipação, quem herdará tal espólio e com base em quais apelos.
O PT seria um candidato natural, pelos seus componentes nacionalistas e estatizantes, a incorporar o ideário e as bases brizolistas, semelhantes a certas fatias do PT. Outra hipótese, de efeitos mais incertos, é que o brizolismo se fragmente completamente. Parte deverá migrar mesmo para o PT, mas outra parte será fatalmente atraída pelas luzes do novo poder. É sempre bom lembrar que o PDT é membro pleno da Internacional Socialista e que, segundo as pesquisas, um dos partidos da nova aliança governista será o PSDB, que já traz no nome o rótulo de social-democrata.
Quanto ao PMDB, o espólio decorrente do fracasso de Quércia terá talvez ainda mais pretendentes. A menos, é claro, que o ex-governador paulista tente uma manobra desesperada de última hora, seja qual for, para manter-se à tona.
Mesmo os partidos adversários reconhecem que a derrota na disputa presidencial não será suficiente para impedir que o PMDB mantenha uma bancada federal muito forte. Vale para o PMDB parte do raciocínio em relação ao PDT. As luzes do novo poder atrairão muitos peemedebistas, em parte porque se habituaram a fazer política a partir de posições no governo e em parte porque o PSDB é uma dissidência do tronco original peemedebista.
De uma forma ou de outra, o vácuo político na oposição beneficia sempre Fernando Henrique Cardoso. Terá fatalmente mais força política, advinda da explosão nas urnas indicada pela pesquisa, e menos dificuldades para compor a maioria no Congresso Nacional.
Mas a história recente mostra que compor maiorias eventuais foi o menos difícil para presidentes como José Sarney e Fernando Collor. Muito mais difícil foi saber o que fazer precisamente com elas, quando não é a própria arquitetura das alianças que deforma um projeto ao ponto de torná-lo irreconhecível.
É o que em parte explica o fracasso de ambos ex-presidentes e funciona como um alerta em meio à euforia que certamente invadirá o QG do líder na pesquisa. Há quem já sonhe com um retrato oficial nas paredes. Resta saber se elas serão sólidas o suficiente para sustentar uma autêntica mudança no cenário político nacional.

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