São Paulo, quinta-feira, 1 de setembro de 1994
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Decifra-me ou te devoro

Apesar do espantoso desenvolvimento econômico e social verificado nas últimas décadas, a humanidade continua incapaz de resolver alguns de seus mais graves e angustiantes problemas. Tanto os regimes socialistas como as economias de mercado (nas suas mais variadas formas) fracassaram em apresentar respostas viáveis e duradouras para questões fundamentais como desemprego e Previdência.
A derrocada do socialismo deixou patente que quaisquer resultados que possam ter sido obtidos nessas áreas –como o propalado desemprego zero– não passavam de artificialismos sem sustentação. Obviamente, não constituem alternativa a ser considerada.
Mas mesmo os países de economia de mercado –inclusive os mais desenvolvidos– convivem hoje com graves dificuldades nesses setores. O desemprego tornou-se crônico, estrutural, e a perspectiva é de que poderá se agravar ainda mais nos próximos tempos. No que se refere à Previdência, acirra-se o dilema de como fornecer uma remuneração decente aos cidadãos após a vida economicamente ativa, a custo suportável pela sociedade.
Embora alguns modelos evidentemente funcionem melhor do que outros, nenhum parece ter encontrado um ponto de equilíbrio ideal, livre de maiores problemas ou da promessa de enormes complicações futuras. Pelo contrário, dissemina-se a busca de alternativas e a perplexidade parece geral.
Um forte fator desestabilizador da Previdência é sem dúvida a irresistível marcha do desenvolvimento humano. A expectativa média de vida vem aumentando sistematicamente em todo o mundo, ao passo que cai o ritmo de crescimento populacional. Com isso, o modelo clássico no qual as contribuições dos trabalhadores ativos sustentam os aposentados vem sendo erodido na sua base de sustentação. E a perspectiva demográfica é de que o problema só faça agravar-se. No Brasil, por exemplo, há três décadas, havia oito contribuintes para sustentar cada aposentado. Hoje, a relação desabou para 2,2 para 1.
Dado que o desequilíbrio fiscal é um problema generalizado no planeta, o combate às dificuldades estruturais da Previdência, bem como aos custos que acarretam, assume uma importância cada vez mais premente –mesmo nos países antes paladinos do "welfare state".
Essa urgência tem contudo caráter gritante no caso do Brasil. As perspectivas de sucesso do esforço de estabilização, como se sabe, dependem do saneamento das contas públicas, algo que não será possível sem o equacionamento da Previdência. Além do aspecto estrutural, note-se, o problema é agravado aqui pela multiplicação desenfreada de privilégios e pela vergonhosa ineficiência gerencial do sistema –ralos que sugam ainda mais recursos do contribuinte.
É certo que alterações nesse tema exigem mudanças na Constituição, e que o clima eleitoral é bem pouco propício para o debate sério e difícil que se faz necessário. Ainda assim, a importância da reforma da Previdência é tamanha que não pode simplesmente ser colocada de lado por mais tempo. Além do mais, passam por ela as chances de uma estabilização duradoura da economia brasileira.

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