São Paulo, quinta-feira, 1 de setembro de 1994
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Admirável mundo novo

OTAVIO FRIAS FILHO

Estilhaços da bomba demográfica de Fidel Castro acabaram atingindo as costas do Brasil, na forma dos sete náufragos que foram desembarcados na Bahia.
Até então nosso único contato com um problema tão "moderno" como a migração em massa de pobres para países ricos nos colocava do lado dos pobres.
As autoridades portuguesas, por exemplo, há tempos tratam de barrar, com a tradicional delicadeza lusitana, a entrada de qualquer brasileiro suspeito, ou seja, nascido no Brasil.
Portugal parece dizer orgulhosamente para os suseranos alemães: "Vejam como tratamos os nossos turcos, vejam como temos direito a fazer parte da Europa ariana".
Ocorre que o Brasil passa, neste momento, por um daqueles períodos de otimismo desenfreado que nos caracterizam e que invariavelmente antecedem nova onda depressiva.
Não é por acaso que os refugiados cubanos estão recebendo, ao menos enquanto os refletores da TV continuam sobre eles, tratamento vip, como se pudéssemos reunir as benesses do Primeiro Mundo com a solidariedade do Terceiro.
Essa combinação, fantástica e ilusória, está implícita na confiança subitamente depositada em FHC. As ruas estão cheias, as filas se estendem, há um clima de Cruzado no ar. O real (a dura realidade, não o dinheiro) só deve voltar depois da eleição.
Até lá, os cubanos da Bahia possivelmente já terão sido exportados para algum outro lugar ou desaparecido na marginalidade anônima de alguma metrópole brasileira.
Depois do colapso comunista, os conflitos deixaram de obedecer a um alinhamento horizontal, em termos de leste contra oeste, e assumem cada vez mais uma violenta configuração vertical.
A Guerra do Golfo foi o prenúncio de que o confronto passava a ser entre norte e sul, entre brancos e pardos, entre racionalismo rico e desespero pobre, entre capitalismo e subcapitalismo.
O sul, é claro, levou a pior. E o enfrentamento seria completamente desigual não fosse a bomba demográfica que parece ser, a estas alturas, o último recurso de barganha que restou a um ditador como Fidel Castro.
Mas não se trata apenas do risco de migrações em massa, como a dos países do Leste Europeu sobre a Alemanha. A bomba já está armada em Los Angeles, em Paris, em Londres, em Berlim.
Nas principais cidades do Primeiro Mundo, um contingente étnico vive sob cotidiana opressão, curiosamente ilhado como está ilhada a classe média nas grandes cidades do Terceiro Mundo.
Aqueles grupos étnicos, muitas vezes agressivos e de difícil absorção, fortalecem por sua vez a reação fascista cuja sombra se dissemina rapidamente pela Europa, encontrando, como sempre, macaqueadores nos países pobres.
Gostaria que os adeptos de FHC, da nova ordem internacional, do Consenso de Washington, da qualidade total -que alguém, enfim, explicasse onde está o admirável mundo novo que eles anunciam.

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