São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
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"Vestido" confirma novo Nelson Rodrigues

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

'Vestido' confirma novo Nelson Rodrigues
Montagem mostra que não é mais preciso defender o dramaturgo, antes tido como pornógrafo, hoje poeta laureado
Nelson Rodrigues, quem diria, estabeleceu-se. Ele que já teve as suas peças censuradas por décadas, e não por motivo político, mas por pornografia, tornou-se orgulho nacional, poeta laureado. Matéria de vestibular.
"Vestido de Noiva", em cartaz no Aliança Francesa, recebe dezenas, centenas de estudantes que transformam o teatro em sala de cursinho. Fazem piadas, brigam, jogam aviões de papel, mas aos poucos vão-se calando. Descobrem que a peça tem trama das mais fascinantes. Descobrem que tem vários personagens que prendem, poderosos como não se vê na bobagem da televisão.
E têm eles, os estudantes, uma imensa vantagem sobre os públicos que viram Nelson Rodrigues pela primeira vez. Nenhum sofre o menor sobressalto com as situações de suposta obscenidade que estariam presentes no texto.
Não que "Vestido de Noiva" tenha sido a peça mais escandalosa do autor. A censura e a fama do dramaturgo só começaram mesmo com "Álbum de Família", na sequência, que fez do incesto o seu tema. Mas "Vestido de Noiva" já trazia o mundo familiar nada família de Nelson Rodrigues, um mundo em que a dona-de-casa do subúrbio não esconde o desejo de prostituição, de morte.
Ou melhor, esconde, mas não o dramaturgo. Resultado do mesmo ambiente de Machado de Assis, mas em descontrole, Nelson Rodrigues expõe na peça uma vida de subúrbio carioca muito anterior àquela da violência urbana, de agora, mas não menos violenta em suas relações contidas e pessoais. É o que trazem Alaíde e Lúcia, ou Madame Clessi e o namorado, ou o "Diário da Noite".
O melhor, a novidade, por assim dizer, desta nova montagem de "Vestido de Noiva" é que ela revela uma tragédia em que cabe o riso. Um riso que já está no original, mas que o teatro brasileiro parecia pouco capaz de representar, no palco –talvez pela necessidade de defender um Nelson Rodrigues sério, respeitável, e não o pornógrafo que faziam dele.
Foi preciso chegar um momento novo, diverso na história do teatro e do próprio país, para que fosse possível rir com Nelson Rodrigues. Foi o que aconteceu há pouco com "A Falecida", dirigida por Gabriel Villela, que teve curta temporada, mas de grande público, na cidade. E está sendo agora, com "Vestido de Noiva", dirigida por Eduardo Tolentino.
Não que a montagem do Tapa não pudesse ir além, em criação cênica. Ela bem que tenta, sobretudo ao evitar os três planos de Ziembinski. Mas hoje em dia uma tal preocupação com a clareza de raciocínio, surgida da falta de familiaridade da platéia de então, dos anos 40, com uma estrutura narrativa mais complexa, é mesmo desnecessária –até por conta dos trabalhos do próprio Ziembinski, e de quem veio depois dele.
Assim, sem maior resultado com a diversidade narrativa, o que resta da montagem é um jogo de cena por demais evidente, com prostitutas roçando pelos cantos, personagens saindo dos baixos, castiçais para marcar velório, coisas assim. E resta um figurino entristecido, puído de idéias semelhantes da companhia, em montagens passadas, inclusive no vestido de noiva, cansado, gasto.
Como exceção, uma bela exceção, há um elemento de cenário, um gigantesco espelho móvel que dá dinâmica, permitindo dividir a ação, numa referência distante aos planos da montagem original. É uma criação que poderia, no entanto, ter uma utilização muito maior, um diálogo muito maior com a ação do espetáculo.
Na interpretação, Denise Weinberg, como Alaíde, não compromete, longe disso, mas também está longe de cumprir o que se esperava dela, a partir das montagens mais recentes da companhia. Uma atriz pronta, ela deixa escapar Alaíde, um papel único na dramaturgia brasileira, com uma representação tensa, de ombros contraídos, sendo que a personagem original aponta para o exato oposto, para um desenho aberto, de expansão –que ao final, aliás, resulta em morte, por conta.
Mais à vontade e com domínio pleno, talvez pela maior experiência com Nelson Rodrigues, está Sonia Oiticica, fazendo Madame Clessi, outro personagem maior. É ela quem dá a alegria, o desembaraço da montagem, como uma Clessi apaixonada, feliz por seu assassino. Clara Carvalho, como Lúcia, segue os passos de Sonia Oiticica. Zécarlos Machado faz um Pedro de bons momentos, como quando é violento com a mulher –o que é mesmo inevitável, em Nelson Rodrigues.
Título: Vestido de Noiva
Direção: Eduardo Tolentino
Quando: quinta e sexta, 21h; sábado, 20h e 22h30; domingo, 19h
Onde: Teatro Aliança Francesa (r. Gal. Jardim, 182, tel. 011/259-0086)
Quanto: R$ 15,00

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