São Paulo, sexta-feira, 2 de setembro de 1994
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Biodiversidade ou biodiversionismo

ISAIAS RAW

Grupos ecológicos radicais imaginam que seria possível estudar a biodiversidade e promover a proteção total para todas as espécies existentes no planeta. Atribuem um direito idêntico ao da espécie humana para a mais singela das espécies biológicas e consideram uma tragédia irrecuperável a perda de qualquer delas.
Ignoram que a flora e fauna atual não se preservaria, mesmo se o homem fosse extinto, pois o processo continuado de aparecimento de novas espécies que têm maior capacidade de dominar e expandir o seu habitat é um evento normal da história do planeta.
Novas espécies aparecem e outras espécies são eliminadas. O mesmo ocorreu com a espécie humana, que suplantou várias outras espécies e subespécies, como o homem de Neanderthal, que desapareceu. Só a espécie humana, salvo uma catástrofe, associando o patrimônio genético ao cultural, controla o planeta evitando a efemeridade das demais espécies.
Imagine se coexistissem no planeta duas espécies humanas distintas em sua capacidade intelecto-cultural ou se fôssemos invadidos por uma espécie extraterrena com maior capacidade e sem dúvida a mais competente eliminaria a outra do planeta.
A simples conservação de todas as espécies é, portanto, uma utopia. A ela se soma o lobby que pretender transferir para a comunidade científica e tecnológica brasileira o papel puramente secundário de catalogar essa biodiversidade. O que é catalogar a biodiversidade? Descrever e dar nomes às espécies?
Na região amazônica, devem existir cerca de 20 mil bactérias, 60 mil vírus, 150 milhões de plantas, 750 mil espécies de bolores, e 5 milhões de insetos. Desses, menos de 10% foram classificados, recebendo um vazio nome e sobrenome latino.
Se empregássemos mil cientistas para cada um classificar uma espécie por dia (o que seria impossível), eles estariam ocupados até 2004 e nada ganharíamos como país e como ciência afora encher bibliotecas com dados pouco úteis.
Estamos em 1994 e para descrever uma espécie, como o próprio homem, não basta medir altura, cor dos olhos e pele. Com investimento em pessoal e recursos astronômicos do Primeiro Mundo, até o ano 2000 teremos a total sequência do DNA humano (e de algumas outras espécies). Só então poderemos estudar a biodiversidade do homem ao nível molecular.
Induzir a comunidade brasileira a estudar biodiversidade é criar uma diversão...enquanto continuamos a fazer a ciência do século passado, as grandes empresas pesquisarão na flora e fauna as qualidades que buscam.
Não vamos aguardar até 2005 para procurar um bolor ou bactéria que produz uma droga que mata o bacilo da tuberculose ou uma célula cancerosa. Vamos procurar antes e classificar depois. Mesmo porque, como existem homens de cor ou tamanho diferente, um bolor colhido num ponto pode produzir substâncias diferentes de outra colônia do mesmo bolor.
Também basta de enveredar pelo longo caminho de separar e estabelecer a estrutura química de tudo o que existe no chá da erva de "S.Jorge", que a comadre ou o índio dizem que cura a malária.
Vamos procurar antes extratos que curam a malária para depois saber qual é a substância ativa, qual sua estrutura química e finalmente como alterar o que a natureza produz para obter um medicamento eficiente.
Qualquer proposta diferente é um engodo para manter a comunidade científica ocupada, enquanto as grandes empresas buscam os produtos de interesse para levar bactéria, fungos e até plantas para criar produtos que teremos de importar.

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