São Paulo, sábado, 3 de setembro de 1994
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Chailly traz orquestra holandesa a SP

JOÃO BATISTA NATALI

Um dos maiores talentos da nova geração rege o Concertgebouw no Parque Ibirapuera e no Teatro Municipal
O maestro italiano Riccardo Chailly estará este mês, em São Paulo, com a Orquestra Real do Concertgebouw (pronuncia-se "concert-rebáu"), de Amsterdã.
Os concertos da orquestra acontecerão no Parque do Ibirapuera (dia 18) e Teatro Municipal (dia 19). Este segundo concerto, reservado aos convidados da Philips, será transmitido por um telão a ser montado na av. Faria Lima.
Chailly é considerado, na Europa e nos Estados Unidos, como um dos mais talentosos regentes da mais nova geração.
No currículo do maestro, constam passagens pelo Scala de Milão, onde trabalhou como assistente de Claudio Abbado, pela direção musical da Orquestra Rádio-Sinfônica de Berlim e pela direção da ópera de Bolonha.
Nessa entrevista à Folha, ele fala sobre a precocidade de sua carreira, os músicos do Leste Europeu, gravações em estúdio e o rock consumido por seus filhos.

Folha –O sr. é um maestro relativamente jovem. Isso chega a atrapalhar?
Riccardo Chailly –Não há propriamente inconvenientes. O fato de estar com 41 anos e de já ter feito muita música se explica pela pouca idade com que enfrentei minhas primeiras execuções. Regi uma orquestra aos 14 anos. Como filho de compositor (Luciano Chailly), respirava muita música em casa.
Folha –Ser filho de músico facilitou o início de sua carreira?
Chailly –Sim, porque meu pai foi meu primeiro professor de composição. Não, porque na Itália uma mentalidade talvez provinciana apostava no fracasso de alguém que chegava à música por razões que se supunha apenas familiares.
Folha –Desse modo, foi preciso redobrar as provas de suas aptidões?
Chailly –Sem dúvida. Para mim, a porta de acesso às opções de interpretação de um regente passou pela prática da composição. Foi uma maneira, ao lado dos estudos de contraponto e harmonia, de conhecer a estrutura internacional de uma partitura.
Folha –O sr. é considerado um maestro "anfíbio": rege ópera e récitas sinfônicas. Qual deles lhe dá maior prazer?
Chailly –Os dois gêneros me são gratificantes. Minhas atividades com a Concertgebouw tomam dois terços de meu tempo, se trata apenas de música sinfônica. Quanto a atividades líricas, tenho contrato para uma produção por ano no Scala nas quatro próximas temporadas e a cada dois anos tenho o compromisso de dirigir uma produção na Ópera da Holanda.
Folha –Com apenas a orquestra no palco, nunca lhe veio a impressão de que, comparado à ópera, trata-se de um espetáculo bem mais pobre?
Chailly –De certa maneira isso é verdade, mesmo se o concerto nos aproxima de uma relação de pureza para com a música. Mas, ao mesmo tempo, um espetáculo lírico é a síntese da combinação de artes diferentes. A complexidade é muito maior.
Folha –O sr. tem dirigido preferencialmente montagens de grandes autores líricos italianos. Por que não se arrisca também com Mozart, Wagner ou Richard Strauss?
Chailly –Há poucos anos dirigi, em Bolonha, "As Valquírias" e "Crepúsculo dos Deuses", de Wagner. Strauss está ainda restrito a meus projetos. Quanto a Mozart, fiz um "Don Giovanni", também em Bolonha, mas com relação a ele minha atitude é de cautela. Estou me aperfeiçoando aos poucos, Mozart é um dos compositores mais difíceis de interpretar.
Folha –E que lhe dá maior gratificação íntima: uma execução pública ou uma sessão num estúdio de gravação?
Chailly –Antes de entrar num estúdio, eu preciso ter executado bastante determinada peça em público, como ocorreu há alguns meses com Rossini. Só assim levo ao estúdio uma impressão de vivacidade, de teatralidade da música. Gravar exige um esforço físico e mental tremendamente grande.
Folha –Entre os países em que já trabalhou, qual oferece um corpo de músicos mais homogêneo e mais disciplinado?
Chailly –A música é hoje bastante internacionalizada e a noção de fronteiras, irrelevante. Na Concertgebow, por exemplo, trabalho com músicos de 30 nacionalidades e não apenas com holandeses.
Folha –Depois de 1989, com o colapso do Leste Europeu, as orquestras da Europa Ocidental recebem uma grande afluência de músicos russos, poloneses, húngaros. É bom ou é ruim?
Chailly –É excelente. Na Concertgebouw tenho músicos russos que permitem um intercâmbio enriquecedor de opiniões e estilos.
Folha –Que maestros mais o influenciaram?
Chailly –Daqueles com os quais convivi, foi Karajan. Trabalhando também em Berlim, ele aceitou ter longas conversas comigo. Lembro-me de suas explicações sobre a ópera italiana e sobre a "Décima" de Mahler.
Folha –Um bom maestro deve entender apenas de música ou também de matemática, política, filosofia?
Chailly –Eu não particularizaria nenhum desses assuntos, mas quanto mais aberto nós nos colocamos com relação a teorias ou influências culturais, maior será o capital de conhecimentos acumulados e mais sólidas as opções que tomamos ao interpretar.
Folha –Que idéia o sr. faz do público brasileiro às vésperas desta primeira viagem?
Chailly –O chefe do coro do Scala, Romano Gandolfi, exerceu por muitos anos essa mesma função no Teatro Municipal do Rio. Ele me transmitiu noções muito detalhadas sobre a flexibilidade e a musicalidade dos brasileiros.
Folha –O sr. gosta de rock?
Chailly –Conheço o rock muito mal. Meus filhos trazem para casa CDs com estas músicas, e eu as considero por vezes interessante.

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