São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Lugares-comuns e peculiaridades

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para o observador distante, as eleições brasileiras assumem três características. Elas reproduzem tendências já enraizadas no comportamento eleitoral da América Latina e, ao mesmo tempo, rompem com alguns esquemas que havíamos presenciado no continente.
Primeiro, chama atenção a volubilidade do eleitorado brasileiro. Lula caiu de mais de 40% a pouco mais de 20%; Fernando Henrique Cardoso subiu de menos de 10% até os mais de 40% que lhe atribuem as pesquisas recentes.
Comportamento tão errático do eleitorado é preocupante. Entretanto, corresponde ao que se detectou em outros países. No Peru, em 1990, em menos de dois meses Alberto Fujimori passou de uma inexistência total nas pesquisas a quase 25% dos votos, ao segundo turno e à vitória.
Uma relativa estabilidade dos eleitorados, pelo menos até o primeiro turno, costuma ser vista como fator necessário para um funcionamento adequado da democracia representativa. Parece estar ausente no Brasil de hoje.
Um segundo aspecto, também comum a outros países latino-americanos, consiste no que poderíamos chamar de emissão do voto num contexto moderado ou extremamente artificial.
Se bem que nada obrigue o "Plano Real" a sofrer o mesmo destino que seus predecessores, é difícil acreditar que trará efeitos puramente benéficos para a economia.
Se funcionar, implicará em algum momento na deterioração do poder de compra dos salários e/ou numa recessão acompanhada de uma redução ou quebra das reservas do Banco Central. Se não funcionar, a inflação voltará a disparar.
Todos os governos do mundo manipulam as margens econômicas em benefício eleitoral próprio, mas na América Latina esse costume é levado a extremos.
Seja com ritmos de crescimento insustentáveis (México em 1982), com planos de ajuste de curto prazo (Plano Cruzado), ou com tipos de câmbio artificialmente supervalorizados (Argentina 1995), joga-se excessivamente com as aspirações do eleitorado.
A terceira característica em questão distingue o Brasil. Certamente Fernando Henrique encabeça hoje uma coalizão anti-Lula e anti-esquerda que poucos teriam imaginado alguns anos atrás. Tampouco resta dúvida que muitos governos de direita hoje na América Latina começam a colocar em prática políticas menos conservadoras do que no início da onda neoliberal.
Apesar destas nuances, é fato que a eleição no Brasil está sendo disputada entre dois candidatos muito mais à esquerda do centro de gravidade política do restante da América Latina.
Em parte devido aos consensos que ainda perduram no Brasil sobre um certo desenvolvimento nacional –o que Alain Touraine chamou de "a persistência de um projeto nacional de desenvolvimento econômico no Brasil", diferentemente do restante da América Latina–, em parte pelas próprias dimensões da economia e porque os tempos começam a mudar.
Por mais "neoliberalizado" que seja Cardoso, ou qualquer que seja o rumo de seu governo, se ele triunfar –e talvez se pudesse dizer o mesmo no caso de Lula–, esta é uma eleição que se disputa em terrenos ideológicos à margem da vida política em outros países. É uma peculiaridade brasileira.
JORGE CASTA¥EDA, 39, sociólogo e economista mexicano, é professor visitante da Universidade de Princeton (EUA) e catedrático da Universidade Autônoma do México (Unam).
Tradução de Clara Allain

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