São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Lésbicas fazem pacto de morte na prisão

DANIEL CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Atrás das grades do 15º Distrito Policial (Itaim Bibi), na zona oeste de São Paulo, Roseli e Andréia travaram um pacto de amor e morte. Se não continuarem juntas na cadeia, elas prometem se suicidar.
Roseli ensaia um choro na frente da reportagem da Folha. "Eles (a Justiça) não podem nos separar. Eu morro, a gente se mata."
O romance entre Roseli Corrales da Silva, 32, e Andréia Solemar Cardoso dos Santos, 25, já dura dez anos, mas só veio à tona no começo da semana passada.
Roseli foi presa em flagrante no último domingo, após roubar jóias e bijuterias de um apartamento no Itaim Bibi. No dia seguinte, pediu para um amigo avisar Andréia que "estava morrendo de saudades".
Andréia atendeu ao chamado. "Quando eu a vi presa e doente, não consegui suportar. Eu disse que era fugitiva e me entreguei porque ela fica doente sem mim."
Andréia teve que se esforçar para ficar presa com a companheira. Inicialmente, a polícia não encontrou nos computadores nenhum registro que indicasse que ela estava sendo procurada pela Justiça.
A confirmação só veio na terça-feira, via telex. Condenada a quatro anos de detenção por furtos, Andréia fugiu em 92 do 2º DP de Santos, junto com Roseli, dona de uma ficha com 30 inquéritos e 20 anos e 4 meses de prisão.
O crime mais grave de Roseli foi o assassinato do ex-companheiro, com quem teve uma filha, hoje com 13 anos. Ela acusa o "único homem" com quem teve relações de lhe transmitir Aids. Andréia também diz ter o vírus HIV, adquirido por drogas injetáveis.
Roseli e Andréia contam que se conheceram no 2º DP de Santos. "Foi amor à queima-roupa. Ela gostou de mim e eu gostei dela", revela Andréia. "Ela foi o único amor da minha vida."
Nos primeiros três anos, o romance sobreviveu graças às visitas que Andréia, ainda menor, fazia a Roseli na cadeia. Depois, entre as visitas e as prisões de Andréia, viveram mais cinco anos "juntas".
Após fugirem da cadeia de Santos, em 92, passaram a dividir um barraco no Jardim Arpoador, zona oeste de São Paulo.
A iniciativa de Andréia, ao pedir para ser presa, impressionou os policiais. "É um grande amor. Nunca soube de alguém que se privou da liberdade para viver uma paixão", disse o delegado titular do 15º DP, Naief Saad Neto.
As companheiras podem descartar a idéia de suicídio, pelo menos por enquanto. Nesta semana, elas deverão ser transferidas para Santos, onde ficarão na mesma cadeia.
As relações sexuais entre mulheres no cárcere são mais frequentes que entre homens, diz Manuel Schechtmann, diretor do Departamento de Saúde do sistema prisional do Estado de São Paulo.
Um dos motivos é que as mulheres não têm direito a visitas íntimas, ao contrário dos homens. "As mulheres são mais carentes que os homens e por isso buscam afetividade entre as companheiras", disse. "A prisão agride muito a mulher."
Segundo Schechtmann, há 2.700 mulheres nos presídios de São Paulo, contra 32 mil homens. A incidência de Aids entre as mulheres é de 28,5% e entre os homens, de 17,3%.

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