São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Amor bandido

MOACYR SCLIAR

Ele leu duas vezes a pequena nota no jornal. Não podia acreditar: duas moças assaltam um apartamento, uma é presa, a outra se entrega porque não pode viver sem a companheira. Incrível, ele murmurava, verdadeiramente incrível.
Chamou a mulher, contou a história. Ela nem ligou:
– E daí? As duas queriam ficar juntas, qual o problema?
Vestiu-se e saiu: ia ao cinema com a amiga. Era sempre assim, saía, deixa-o em casa sozinho. Que companheira eu tenho, pensou ele, amargo. Estavam casados há 20 anos e ela cada vez se mostrava mais distante, mais fria. Filhos, não tinham; sua vida conjugal era uma ficção. E ele então teve de reconhecer: invejava as jovens assaltantes. Elas, pelo menos, colocavam o amor acima de qualquer coisa. Até da liberdade, que a esposa dele tanto prezava. O que nos falta, interrogava-se, para que sejamos um casal amoroso, perfeito?
E aí deu-se conta: o assalto. Era aquilo que faltava, assaltarem juntos um apartamento, um carro-forte, um banco, até. Como Bonnie e Clyde, enfrentariam juntos rajadas de balas/ como Bonnie e Clyde fugiriam por todo o país, fazendo amor no banco de trás do automóvel. A idéia deixou-o deliciado: ria só de evocá-la. Ele ria quando a mulher finalmente chegou.
– Você está rindo de quê? –perguntou ela, desabrida.
Ele falou de sua fantasia: nós nos tornamos assaltantes, nós fugimos por todo o país, nós fazemos amor no banco de trás do carro. Ela ouvia-o em silêncio.
– Você é idiota –disse por fim. Você é completamente idiota. Não sei porque casei com você.
Entrou no quarto, bateu a porta. Ele suspirou: amor e assalto só funcionam entre mulheres, concluiu, melancólico. E foi, como de hábito, dormir no sofá da sala.

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