São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Reforma constitucional argentina

OCTAVIO BUENO MAGANO

No dia 24 de agosto último, completou-se a reforma constitucional argentina, de que resultou texto composto de 129 artigos, contra 245 da Constituição brasileira, aos quais se somam mais 70 integrantes das disposições constitucionais transitórias.
Do ponto de vista político, a mudança mais importante foi a do artigo 90, que prevê a possibilidade de reeleição do presidente e do vice-presidente da República.
Na área social, verificou-se um "bis in idem", quer dizer, repetiu-se o artigo 14 bis, gerado pela reforma constitucional de 1957. Naquela ocasião, adotara-se a nomenclatura indicada (14 bis), em virtude do sentimento de que a matéria versada no novo preceito guardava estreita conexão com os direitos e garantias individuais já anteriormente previstas no artigo 14.
De qualquer forma, só então abria-se a Constituição argentina, de 25 de maio de 1853, para o chamado constitucionalismo social. Com a reforma atual, nada se inovou sobre a matéria.
Tais fatos contrastam nitidamente com a experiência brasileira, a respeito do constitucionalismo social. A Lei Magna de 25 de março de 1824 tanto quanto a de 24 de fevereiro de 1891 eram silentes sobre a matéria. Só com a emenda constitucional de 1926 é que se atribuiu à União a faculdade de legislar sobre o Direito do Trabalho.
Seguiram-se as Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, cada qual mais enxundiosa do que a outra na discriminação dos direitos sociais.
A de 1988 tomou feições folhetinescas. Em seu artigo 7º, composto de 34 itens e vários sub-itens, cuidou até de minúcias como licença-paternidade; adicional de horas extras; remuneração de férias; piso salarial, etc.
O seu artigo 8º, apesar de conter declaração enfática em favor da liberdade sindical, conjugado com outros, converteu-se em receptáculo de tralha corporativista, composta de unidade sindical, imposto sindical, sistema confederativo rígido e Justiça do Trabalho de feitio paritário e dotada de poder normativo.
No Capítulo II, do Título VIII, concebeu-se a Seguridade Social como panacéia apta a liberar o brasileiro de toda e qualquer necessidade, assim como se fosse possível implantar, em terras de Santa Cruz, estado paradisíaco.
Em contraste com isso, os argentinos ao efetuarem sua recente reforma constitucional, ao invés de se renderem a impulsos panfletários, mantiveram, sem alteração, o artigo 14 bis, da reforma constitucional de 1957.
Nesse preceito, como convém a uma regra de natureza constitucional, indicam-se apenas os princípios a serem observados na área social, a saber: condições dignas e equitativas de trabalho; jornada limitada; descanso e férias pagas; retribuição justa; salário mínimo móvel; igual remuneração para trabalho idêntico; participação nos lucros das empresas e colaboração na direção respectiva; proteção contra o despedimento arbitrário; estabilidade do servidor público; organização sindical livre e democrática; garantia das convenções coletivas e da seguridade social.
O modelo argentino mostra-se incomparavelmente superior ao nosso, porque permite que os princípios do direito social se flexibilizem em conformidade com as vicissitudes econômico-sociais do país.
Igual comedimento mostraram nossos vizinhos do sul, no que toca à relação com os índios. O texto até então vigente atribuía ao Congresso a incumbência de manter com eles trato específico, convertendo-os ao catolicismo.
Assim como os argentinos houveram por bem revogar a apontada obsolescência, assim também deveríamos nós rever todo o extenso capítulo da Constituição de 1988, consagrador de obsoleto regime de segregação indígena.
Em suma, o novo modelo argentino de constitucionalismo social merece ser seguido. Faz jus a igual sequela o ânimo e o denodo de levar a efeito reforma constitucional.
Lamentavelmente, no Brasil, a inércia de nossos congressistas malbaratou a possibilidade de a lograrmos ainda no ano em curso. É de se esperar, no entanto, que o exemplo argentino nos ponha em brios e nos possibilite efetuá-la no ano vindouro. E devemos desejá-la não pelo mero capricho de mudar, mas porque consabidamente a necessitamos com premência.

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