São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994 |
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Independência passa por uma nova avaliação
WALTER CENEVIVA
A Constituição mostra que o Brasil valoriza sua soberania, mas quer ser interdependente, ao menos com seus vizinhos. A votação latino-americana está no artigo 4º da Carta de 88 (pela primeira vez em nossa história constitucional). O constituinte brasileiro percebeu que a formação de grupos políticos-econômicos, entre nações próximas, reforça a idéia de superação das fronteiras, a benefício do conjunto regional. A instalação definitiva do Mercosul, a julgar pelo exemplo europeu, só será possível quando algumas normas de direito, acolhidas em comum pelas nações desse bloco, também passem a fazer parte integrante do direito brasileiro. A integração econômica é a comissão de frente. Será seguida pelos blocos da integração política, social, cultural e jurídica, cada passo evolutivo sacrificando áreas de soberania dos países envolvidos. Grave problema foi enfrentado na Comunidade Européia quando teve de superar resistências internas e aceitar, uma vez estabelecido nos correspondentes tratados, que as regras comerciais emanadas de órgãos transnacionais, providos de competência legal, passariam a vigorar na ordem interna dos seus signatários. Foi mais fácil ver carros de assalto alemães desfilando a cruz-de-ferro pela avenida dos Campos Elíseos, em Paris, do que compatibilizar interesses econômicos conflitantes, consolidados em tradições centenárias. A forma clássica de manifestação da soberania, ou seja, a territorialidade da prestação jurisdicional, por um Poder Judiciário nacional, foi superada na Europa quando criado um judiciário continental. Já se tentou transpor o mesmo sistema para a América Latina, sem grandes resultados práticos. Todavia, tem havido evolução. Dois eventos recentes estão a demonstrar que o conceito da independência absoluta inexiste. A assinatura do tratado da construção do gasoduto com a Bolívia é um exemplo. A composição tarifária múltipla, que será instalada no Mercosul, em janeiro próximo, dá outro exemplo. Antes, foi Itaipu. Cada um desses fatos dará origem a outros, inerentes à dinâmica da vida das nações. Em cada um deles haverá o reexame do conceito de independência, distanciando-o do significado absoluto, o que não corresponde, contudo, à abdicação da soberania para decidir assuntos internos. As esferas de influência econômica terão de solucionar a dicotomia, provocada por dois anseios conflitantes: o da preservação da independência política –sempre ameaçada– sem prejuízo da intensa colaboração interdependente com os países amigos. Assim foi, em tempos recentes, com o art. 8º da Constituição de Portugal (em forma minorada, acolheu o direito externo, ao permitir o cumprimento de tratados internacionais que se incorporassem à ordem jurídica portuguesa). Assim também na Itália (artigos 10 e 11) e na França (artigos 26 e 27). O tema é extenso. Retornarei a ele, na próxima coluna, o que ainda será oportuno, porque vivemos os sete dias de Semana da Pátria, em que nenhum assunto tem mais atualidade do que o da compreensão de nossa independência. Texto Anterior: Reforma constitucional argentina Próximo Texto: Morador de rua fala em "conspiração" Índice |
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