São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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É melhor que o IPMF morra em dezembro

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os governantes deste país, em breve, vão ter oportunidade para demonstrarem, de fato, se entenderam a mensagem que tem sido enviada pela população de que a mudança é necessária. E de que velhos comportamentos governamentais devem ficar superados.
A questão que se apresenta não é daquelas que podem ser enfrentadas com um discurso generoso, camuflando uma ação negativa. É, como se diz, "agora, pão pão, queijo queijo". A definição das posições será imprescindível. Não há como fugir a isso.
O Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras morre em 31 de dezembro deste ano. A emenda constitucional nº 3/93, que o instituiu, previu sua extinção para o fim deste ano. Desta forma, o "P" de provisório está a indicar que se trata de imposto de eficácia temporária.
Ocorre que tal imposto será responsável por uma arrecadação, este ano, de cerca de US$ 4,5 bilhões. Como um pressuposto da política de estabilização é a inexistência de déficit orçamentário, é óbvio que tal quantia fará falta no Orçamento do ano de 1995.
Começam a aparecer os prenúncios de articulações para aprovação de nova emenda constitucional, prorrogando a vigência do IPMF.
E tal alteração só é possível de ter eficácia em 1995 se aprovada este ano, em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida no ano de 1993, de que se aplica ao IPMF o princípio da anterioridade da lei. Vale dizer, a lei que o institua deve ser anterior ao exercício de sua cobrança.
Congresso em fim de mandato –majoritariamente repudiado, como indicam as pesquisas, pois poucos parlamentares serão reconduzidos–, desejoso de agradar ao novo governo para obtenção de sobrevivência política em alguma sinecura, pode ficar dócil à aprovação das medidas destinadas a prorrogar ou a eternizar (tudo depende da intensidade da docilidade) esse imposto.
A prorrogação do IPMF significa a continuidade de manipulações na legislação tributária, que desde muito deveriam ter sido sepultadas. É o caminho fácil, praticado pela cúpula governamental, de aumentar ou criar tributos para atender às razões de Estado, determinadas pelas conveniências de caixa do Tesouro.
O IPMF é um tributo perverso, social e economicamente. É cumulativo, apena os negócios e o sistema produtivo, não leva em consideração a capacidade contributiva do cidadão, tem incidência genérica, sendo insuscetível de seletividade.
A sua marginalidade no sistema tributário brasileiro é de tal ordem que, para ser instituído, necessitou de emenda constitucional. Lembre-se que a União tem competência residual para criar novo imposto. Todavia, não pode ter base de cálculo e fato gerador típicos de outros impostos, nem ser cumulativo.
Como o IPMF infringe tais proibições, a sua criação dependeu de emenda constitucional, que foi aprovada para sanar a crise financeira da União, com a cumplicidade dos parlamentares favoráveis à implantação do imposto único, que desejavam fazer um experimento da sua proposta e o IPMF parecia ser o veículo disponível.
Há na tributação indireta demasia de impostos cumulativos (Cofins, PIS e IPMF). A distorção que essa tributação causa no sistema produtivo, com repercussão nos custos de produção e comercialização, elevando significativamente os preços das mercadorias, constitui um dos defeitos do sistema tributário pátrio.
Ao tempo da criação do IPMF entoaram um canto de sereia: ele serviria para incorporar ao universo dos pagantes de impostos a chamada economia invisível. Conversa para boi dormir. Em realidade, alcançou, como sempre, o contribuinte correto, que já suportava uma pressão tributária elevada.
A economia criminosa –contrabando, tráfico de drogas– continuou a operar no exterior suas transações ou se viabilizou utilizando dólar, ouro ou escambo. Nem aos camelôs alcançou, pois ganham tão pouco que o seu ganho é usado diretamente no negócio ou para subsistência como pessoa, sem intermediação bancária.
Agride o IPMF ao interesse nacional. Com efeito, beneficia mais a importação de bens, dando-lhe condições favoráveis de competição, eis que as operações sobre as quais incide são em número muito menor do que as relativas à produção e comercialização de bens nacionais. Sua incidência discriminatória está na contramão da nacionalidade.
Finalmente, o IPMF é tipicamente um imposto "caixa preta". Graças à resistência da Febraban, a União não tem podido identificar cada contribuinte, bem como o montante individual do imposto pago, para verificar se o contribuinte agiu corretamente.
Entende a Febraban, representando os grandes bancos privados do país, que o princípio do sigilo bancário lhes impede de fornecer tais dados. É o fetichismo do sigilo bancário, com que tal entidade se sobrepõe ao governo e à administração tributária.
E tal atitude encerra a originalidade de que o sujeito passivo (pois legalmente tem tal situação) assume a posição de sujeito ativo, típica do fisco.
É melhor que o IPMF morra em dezembro, sem milagre de ressurreição. E que os recursos necessários para a realização das atividades estatais sejam obtidos através do combate irrestrito à sonegação, que aliás pode proporcionar maior incremento de arrecadação do que a manutenção ou a criação de impostos com tais características.

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