São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Câmbio vira armadilha para o Plano Real

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A nova política cambial se transformou em uma armadilha para o governo. Se as cotações continuarem caindo –e esta é a trajetória mais provável– pode haver desemprego; se elas subirem rapidamente, o efeito será de uma mididesvalorização de 10% a 12%, com novo surto inflacionário.
Esta avaliação é compartilhada pelos analistas e economistas ouvidos pela Folha.
Para Tereza Fernandes, da Mendonça de Barros & Associados, "estão mais preocupados com o lado dos exportadores, mas o mais grave é o efeito da concorrência via importações".
Na Argentina, essa concorrência acabou provocando quebradeira na indústria. "Este processo tem que ter um limite."
Tereza diz que "não existia defasagem antes da mudança da política cambial. Agora, existe. E deve entrar no cálculo o IPC-r. Ele reajusta os salários e representa custo para as empresas."
O ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega concorda com o diagnóstico da armadilha. Para ele, as medidas adotadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) são, compara, como colocar a mão para sentir a temperatura da água. "Não dá para mergulhar."
Nos últimos dois meses, os bancos compraram US$ 640 milhões no mercado comercial (exportações e importações). O que significa que, dependendo das medidas adotadas pelo BC, os movimentos de mercado podem produzir imediata recuperação de preços –o que o governo deseja evitar. Daí a cautela das medidas já adotadas.
Em outubro, saem pelo menos US$ 1,3 bilhão do país. Parte disto é o desmonte das operações de "box" feitas por investidores estrangeiros e parte é pagamento dos eurobônus emitidos.
Apesar disto, os analistas acreditam que a rota das cotações continua sendo de baixa. A aposta é que vai entrar muito dinheiro nas Bolsas depois das eleições.
O ingresso de investimentos estrangeiros é o sintoma de que o cenário mudou. "O Brasil sempre teve que conviver com a escassez. E, agora, existe abundância", diz Mailson. Para ele, o governo terá que adotar novas medidas na área do câmbio. No limite, "para romper com o monopólio cambial do Banco Central".
É a maior liberdade para os fluxos de capital que vai produzir, espera o ex-ministro, algum equilíbrio nas cotações.
Mailson imagina o cenário em que é o ingresso de capitais, e não mais o resultado da balança comercial (exportações menos importações), que vai financiar o resultado negativo em conta corrente. Para ele, os recursos externos servirão para garantir os investimentos.
Esta sistemática também tem um limite no tempo. Financiar as contas do país sempre pelo ingresso de capital pode provocar novo crescimento da dívida. "Mas os juros não devem ficar deste tamanho por mais dois anos", diz.
Oswaldo de Assis, vice-presidente do Banco Itamarati, afirma que para desmontar esta armadilha é preciso "aumentar a demanda por dólar e derrubar as taxas de juros internas".
Para ele, o processo de acomodação das cotações vai demorar muito tempo no caso brasileiro. "Ao contrário da Argentina e do México, o Brasil tem superávit comercial."

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