São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994 |
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IPC-r permite ganho real para assalariados
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
É o melhor exemplo para se tentar entender a confusão em torno dos índices de inflação pós-real. Primeira questão - como se chega àqueles 11,16%? O IPC-r comparou a média de preços vigentes de 16 de julho a 15 de agosto (período 1) com a média entre 16 de junho e 15 de julho (período 2). Digamos que no período 1, a passagem custava R$ 0,50, do primeiro ao último dia. A média, portanto, é também de R$ 0,50. Digamos que no período 2, a passagem tenha começado com R$ 0,40 e terminado com R$ 0,50, um valor médio de R$ 0,45. Pelo cálculo do IPC-r, divide-se a média do período 1 (R$ 0,50) pela média do período 2 (R$ 0,45). Dá um aumento de 11%. O índice registra inflação de 11% na passagem para agosto, ainda que o preço tenha ficado em R$ 0,50. Uma mentira? Não. Por problemas de método, o índice está captando a variação nos preços ocorrida no final de junho. Segundo ponto - Por que se utiliza esse tipo de método? Porque o índice precisa estar pronto no dia 1º, de modo que a coleta de preços tem de ser concluída 15 dias antes. Utiliza-se o sistema de médias mensais para dar maior abrangência ao cálculo. E está correto, no caso do IPC-r, que o índice de agosto capte a variação de preços do final de junho. Esse período não entrou no cálculo da inflação de julho. Terceiro ponto - Esse índice mede poder de compra dos salários? Mede, mas para trás. O salário perdeu poder de compra toda vez que o preço da passagem subiu. Mas só até o final de junho. O IPC-r de agosto vai corrigir os salários de setembro, que serão pagos em outubro. Assim, os 11,1% tomados no final de junho serão devolvidos em outubro. Quarto ponto - Esse sistema funciona? Depende. Com inflação alta e crônica, não adianta nada. Quando o salário recebe de volta a perda passada, começa a perder de novo, com a inflação diária. Na passagem de um regime de inflação alta para a estabilidade, pode haver reposição e ganho. No exemplo considerado, se a passagem de ônibus custar R$ 0,50 ao longo de setembro e outubro, o assalariado vai recuperar a perda relativa sofrida em junho. Mas em relação à situação vigente desde 1º de julho, haverá ganho salarial real. Exemplo: tome-se um cidadão que ganhe R$ 500 desde 1º de julho. De lá para cá, seu salário equivale a mil passagens de ônibus. Com reajuste de 11,1%, o salário vai a R$ 555,50 e compra 1.111 passagens. É um ganho porque o cidadão terá reajuste salarial num momento em que a inflação presente é igual a zero. Se a inflação continuar perto de zero, esse ganho de outubro torna-se permanente, vira aumento de poder de compra e se transforma em consumo. Tudo considerado, foi uma sorte para os assalariados que o governo tenha escolhido o IPC-r como índice de correção de salários. Quinto ponto - Conclui-se daí que o poder de compra dos salários depende da existência ou não de inflação, não do tamanho ou da frequência da reposição. Se não há inflação depois do reajuste, há ganho. E mesmo sem reajuste salarial, a simples eliminação da inflação representa ganho salarial. Deixar de sofrer perda diária é um ganho real. Se o IPC-r, como querem os líderes sindicais, medisse a inflação corrente, pós-real, os assalariados estariam perdidos. O poder de compra estaria sendo comido. Para sorte dos assalariados, eles estão errados. O IPC-r mede inflação velha e reajusta salário em ambiente de inflação quase zero. Texto Anterior: Dinheiro entrará em ondas Índice |
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