São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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FHC, otimismo e metas monetárias

ANTONIO KANDIR

De forma aparentemente paradoxal, as primeiras vitórias do Plano Real, somadas à expectativa cada vez mais forte de vitória de Fernando Henrique, criam novos desafios para o manejo do processo de estabilização.
Um deles, que merece reflexão, é colocado pelo movimento de entrada de capitais externos, na hipótese provável de confirmação da vitória do candidato do PSDB.
Uma entrada forte de recursos em busca de valorização patrimonial, provocada por uma onda de otimismo com relação ao futuro do país, pode vir a solapar a própria concretização das expectativas otimistas, por seus impactos sobre o câmbio e assim sobre todo projeto de investimento que tenha seu retorno condicionado à evolução cambial.
Um primeiro passo para evitar essa armadilha foi tomado com o pacote de desregulamentação na área cambial, anunciado semana passada, que visa aumentar a demanda interna por dólar.
Há, no entanto, mais a fazer. Desde logo no tocante às metas de expansão monetária fixadas na MP 542, que criam constrangimentos a meu ver desnecessários à compra de dólares, por parte do Banco Central, para o atendimento de demanda genuína, isto é, não-inflacionária, pela moeda nacional.
Toda fixação de metas de expansão monetária em processos de estabilização envolve inevitavelmente um componente de predição, dada a impossibilidade de prever com exatidão a demanda por papel-moeda em momentos de mudança radical do ritmo inflacionário.
Sabe-se que a demanda aumenta, visto que, com os preços estáveis, diminui a rejeição do público a carregar dinheiro no bolso ou deixá-lo na conta corrente. O difícil, mesmo impossível, é estimar-se de antemão qual será o aumento efetivo da demanda por papel-moeda.
A impossibilidade advém do fato de o grau de remonetização da economia depender de uma multiplicidade de comportamentos individuais que não são determinados por leis invariáveis, mas sim pelo grau de confiança que a nova moeda irá despertar.
Quão maior for a confiança na nova moeda, maior será a remonetização desejada e vice-versa. Assim, uma remonetização desejada maior é sinal de êxito e não de fracasso da estabilização, pois indica maior confiança na nova moeda.
É o que vem ocorrendo com o real. A boa receptividade à nova moeda tem resultado em um processo de remonetização mais acentuado do que suposto nas metas de expansão monetárias fixadas na MP que criou o real.
Ao fixá-las, as autoridades econômicas visaram emitir um sinal forte à sociedade de que haveria disciplina fiscal da parte do governo e de que o Banco Central não iria praticar uma política monetária frouxa.
De fato, essa promessa tem-se cumprido, contribuindo para manter em alta a confiança na nova moeda. Ocorre que é justamente a confiança na nova moeda que põe em xeque as metas de expansão monetária preestabelecidas.
Cria-se assim, a meu ver, um ruído desnecessário no processo de estabilização. Desnecessário porque não é a "âncora monetária" que está dando sustentação à estabilidade nesse período de transição para o próximo governo.
Não apenas desnecessário como sem fundamento, já que o chamado "estouro" da base monetária, em torno do qual se fez certo alarde, nada significa de modo imediato em termos de pressão inflacionária. Haveria motivo de séria preocupação se à remonetização corresponde-se uma explosão de consumo, o que não é o caso.
Creio assim ser necessário enfrentar, com prudência, mas com coragem, o desafio de flexibilizar as metas monetárias, explicando à sociedade que tal medida não só não aponta indisciplina financeira da parte do governo, senão que se impõe como forma de evitar armadilhas, na interseção das políticas cambial e monetária, que possam comprometer o sucesso definitivo do Plano Real.

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