São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Corinthians sonha em morar no Pacaembu

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mal a prefeitura deixou escapar o remoto desejo de privatizar o estádio do Pacaembu, o Corinthians pulou na frente: "Eu compro!" –arrematou o presidente Dualibi, sexta à tarde. Como e com que dinheiro ele não sabe, mas compra.
Pois, na verdade, esse é o maior sonho corintiano: morar no Pacaembu. Não que despreze a legendária Fazendinha, o Carrão e toda a Zona Leste, até os confins de Itaquera, onde dormita o projeto do estádio idealizado por Matheus. Aliás, o próprio Matheus, antes de ganhar o terreno de Itaquera do governo do Estado, tentou comprar o Pacaembu. Mas os tempos eram outros. A febre da privatização ainda não havia atingido os 40 graus de hoje. Aliás, nem se falava nisso.
E o curioso é que a paixão corintiana, aquela paixão possessiva, pelo velho Pacaembu, não foi à primeira vista. Não explodiu irresistível na hora da apresentação, quando a única frase a ser sussurrada é um estilete: "Quero você. Já."
Quando o Pacaembu foi inaugurado, em 40, o Corinthians andava enfastiado de títulos e orgulhoso de sua morada na Fazendinha, onde cavavam-se piscinas gigantescas e erguiam-se ginásio e quadras de todo o tipo. Com o Pacaembu, apenas a faixa de campeão de 41 e a longa estiagem de dez anos. O Pacaembu, na sua primeira década, foi o palco das glórias dos palestrinos e tricolores.
Por isso, esse amor veio aos pouquinhos, cevado na amargura das derrotas mais do que das vitórias.
E desabrochou nos anos 50, quando a nação corintiana passou a invadir o estádio, se apossando de cada espaço disponível, escalando as partes pudendas do Davi para se alojar no topo da cabeça da altiva estátua que ficava lá do lado das gerais, à direita da concha acústica, ou, como os sem-terra daqueles tempos descampados, fincando suas bandeiras no célebre morrinho, fora do estádio, de onde se podia ver Cláudio, Luisinho e Baltazar incendiando a massa, de graça.
Ia dizer que estou velho demais para modismos, mas, na verdade, sempre fui avesso às ondas que empolgam por certos períodos, como essa da privatização que nos engolfa. Portanto, não sei se é o caso de se privatizar o Pacaembu, embora reconheça que um estádio (mais ginásio e piscina) com tamanha tradição e em tal localização (é o mais central de todos), sob a administração pública, rende muito menos do que renderia nas mãos de algum empresário ambicioso.
Nem sei também se o Corinthians teria agilidade e visão para explorar devidamente o Pacaembu. Só sei que um amor como esse é capaz de operar milagres.
Na sexta-feira, tirei uma casquinha da entrevista que o repórter Ubiratan Brasil, desta Folha, fez com o técnico Telê, e que está em alguma parte desta edição. Foi mais um pretexto para rever o maior treinador de futebol que este país já produziu até hoje. E reencontrei-o sereno, diria até feliz, apesar da perda do tri da Libertadores, dois dias antes.
É que Telê é um desses raros espécimes que não se nutre apenas de vitórias, como esses antropófagos de gravata e paletó, fala macia, capazes de devorarem a própria galinha que produz ovos de ouro. Telê, simplesmente, ama o futebol. O futebol jogado com ludicidade e lucidez. Com tempero e objetividade. Com malícia e seriedade.
Seu tricolor jogou bem contra o Vélez. Merecia ganhar; perdeu muitos gols. Até mesmo ganhou o jogo, mas perdeu a taça. Para Telê, o que importa é só a primeira parte; a outra pertence a Deus.

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