São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Bem perto dos gigantes da modernidade

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Anna Kisselgoff, 56, é uma das mais conceituadas críticas de dança dos EUA. Escreve para o jornal "The New York Times" desde 1967, quando ainda morava em Paris. A partir de 1968, já em Nova York, dividiu a função com Clive Barnes, que deixou o jornal em 1977. Hoje, Anna é editora-chefe de dança do diário nova-iorquino, que possui mais dois críticos no setor.
Ela assinou a primeira crítica sobre Mikhail Baryshnikov depois que ele desertou da União Soviética. Ao longo das últimas décadas, testemunhou a evolução da dança norte-americana. Frequentemente, foi convidada por Martha Graham, Merce Cunnigham e George Balanchine para assistir ensaios.
"Balanchine chegava a ensaiar um único dueto inúmeras vezes, até vê-lo perfeito", ela diz, reconhecendo que essas infinitas sessões treinaram seu olhar. "Foi a melhor forma de transcender a avaliação técnica para enxergar a obra de arte", afirma ela à Folha na entrevista a seguir.
Folha - Qual a tendência que a dança contemporânea aponta neste momento?
Anna Kisselgoff - Acho que é correto dizer que a dança, embora tomando diferentes formas, caminha em ciclos de dança pura e dança expressiva. Na história tivemos, no século 17, a época de Luís 14, o Rei Sol da França, como um período de dança pura. Embora fossem danças que contassem histórias, o elemento fundamental era a forma.
Depois veio Jean-Georges Noverre (1727-1810), que dizia que o balé tinha de ser sobre as paixões do coração. Neste século tivemos Antony Tudor (1908-1987) desenvolvendo danças emotivas e Balanchine realizando uma dança formal.
Merce Cunnigham e Balanchine foram líderes-chaves de um período formalista que dominou dos anos 60 até meados dos 80. Agora é possível observar uma oscilação entre os coreógrafos experimentais. Está havendo uma reação à dança puramente formal.
Coreógrafos formais estão tentando lidar com situações dramáticas e nem sempre conseguem boas soluções. Muitos precisam contar com a ajuda de diretores teatrais. Mesmo Stephen Petronio tem tido problemas, que ele próprio admite.
Folha - Você concorda que os novos coreógrafos são menos formais e mais emocionais?
Kisselgoff - Hoje, acho que há uma reação ao que veio antes, ou seja, há uma nova geração questionando o pós-modernismo.
Folha - Você acredita que a dança ainda pode ter revolucionários como Martha Graham e Merce Cunningham?
Kisselgoff - A dança, como forma de arte, é maior do que o indivíduo. Mas, de alguma forma, sempre teremos alguém que pode promover mudanças ou talvez revoluções. Por outro lado, acho muito difícil ver algo realmente original e transformador na época em que vivemos, porque os gigantes do século 20 foram tão fortes que os que se seguiram vêm trabalhando sob a sombra dos precursores.
Folha - Você acha que os revolucionários deste século chegaram a trabalhar em função do futuro?
Kisselgoff - Eu sou testemunha: Martha Graham, Merce Cunningham e Balanchine me afirmaram que criavam para o momento, que não queriam que seus trabalhos fossem permanentes. Certa vez, Balanchine me falou: "Não quero que zombem de meu trabalho daqui 50 anos".
Cunningham me disse: "A dança será totalmente diferente dentro dos próximos 100 anos". Por fim, ouvi de Graham: "Eu não quero que meu trabalho seja corrompido". Eu perguntei: "Então, o que você quer preservar?", e ela respondeu: "A lenda".
Folha - Como você vê o futuro do balé clássico?
Kisselgoff - O balé clássico é uma linguagem que sempre será usada –ou artisticamente ou até mesmo com uma finalidade publicitária. Como linguagem, sempre vai existir. Podemos não ter agora coreógrafos clássicos geniais, mas eventualmente pode surgir alguém especial em termos de criatividade.
Folha - Como você situa Merce Cunningham hoje?
Kisselgoff - Cunningham continua um verdadeiro revolucionário. Muita gente diz que sua dança não é acessível, porque foge aos preceitos convencionais.
Muitas vezes vejo o trabalho de Cunningham sendo apreciado por crianças, que entendem tudo, sem ter idéia do que a dança deve ser ou não.
Ele realmente se concentrou no movimento, e nos prova que o movimento é o que você pensa que é, dependendo do contexto. A maneira como ele melhor demonstra isso é quando, algumas vezes, ele pega trechos de seus trabalhos anteriores e os reúne em espetáculos denominados "Eventos". Estruturadas ao acaso, essas danças surgem renovadas, parecendo totalmente diferentes do original.
Folha - O que uma boa crítica deve enfatizar?
Kisselgoff - No jornal diário é preciso informar o leitor, tenho que dizer o que está acontecendo no palco. Num nível básico, tenho que ser uma boa repórter.
Um crítico tem que analisar, este é o ponto principal. Hoje, perante a quantidade de trabalhos experimentais, é difícil compreender tudo imediatamente, através de uma única performance. Por isso, acima de tudo, o crítico deve ser honesto.

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