São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Croácia admite ir à guerra contra sérvios

JAIME SPITZCOVSKY
ENVIADO ESPECIAL À CROÁCIA

A Croácia admite ir à guerra para recuperar território controlado pelos sérvios, mas antes prioriza a busca de uma saída pacífica.
O chanceler Mate Granic desenha essa estratégia e promete ofensiva diplomática este mês para tentar resolver um dos conflitos que rasgam a ex-Iugoslávia.
Agora em setembro, termina o prazo de permanência das tropas das Nações Unidas que separam os soldados croatas dos rebeldes sérvios. Estes controlam cerca de 1/4 da Croácia e o chanceler Granic quer que as forças de paz cumpram um outro papel.
A Croácia acha que a presença dos 15.454 soldados das Nações Unidas, de países tão distintos como o Nepal e a Dinamarca, ajuda os rebeldes sérvios a consolidar suas conquistas.
O governo croata quer os "capacetes azuis" protegendo as fronteiras internacionais do país e não como um tampão entre os lados em guerra.
O conflito levou o endocrinologista Granic, 46, a trocar a medicina pela diplomacia. Além dos esforços para recobrar o controle sobre os 56,5 mil km2 de território croata, ele também acena com a proposta de um julgamento internacional, no estilo Nuremberg, para todos os crimes de guerra cometidos na ex-Iugoslávia.
Granic concedeu entrevista à Folha, em seu gabinete no centro de Zagreb, a capital croata. A seguir, os principais trechos.

Folha – A 30 de setembro termina o mandato das tropas da ONU. A Croácia deseja que ele seja renovado?
Mate Granic – A Croácia gostaria de prolongar o mandato das tropas da ONU, mas não o mandato atual. Vamos empregar todo o esforço diplomático necessário para alcançarmos nosso objetivo.
Eu e o presidente (Franjo) Tudjman vamos visitar Nova York na segunda quinzena de setembro, para discutir com os integrantes do Conselho de Segurança e com o secretário-geral das Nações Unidas um novo mandato.
Queremos nada mais do que a implementação das resoluções da ONU. A Croácia está pronta para discutir com os sérvios sobre autonomia local e forte proteção aos direitos das minorias étnicas e com garantias internacionais.
Folha – Se os esforços diplomáticos fracassarem, a Croácia está disposta a ir à guerra para recuperar território controlado pelos rebeldes sérvios?
Granic – Nossa primeira opção é a opção da paz. E acho que temos chance de conseguir sucesso com ela. Agora não planejamos uma opção militar, mas naturalmente não vamos dar nosso território. Essa opção militar seria nossa última opção e agora não está sendo considerada. Creio que temos boas chances de sucesso com a opção pacífica.
Folha – A Croácia está satisfeita com a política dos EUA e da Otan para a crise da ex-Iugoslávia?
Granic – Definitivamente não. Eles tiveram a chance de parar a guerra muito antes, durante a agressão contra a Eslovênia e a Croácia.
Folha – O seu governo apóia a idéia de um julgamento para os crimes de guerra feito como num Tribunal de Nuremberg, com julgamento de todos os responsáveis pelas atrocidades, inclusive os croatas?
Granic – Apoiamos. Durante a guerra, melhor dizendo, no começo, em novembro de 1991, o governo croata propôs uma idéia semelhante. Os sérvios, em territórios que controlam, já rechaçaram as investigações de valas comuns a serem feitas por uma comissão da ONU. Nós concordamos.
Folha – A revista americana "Newsweek" publicou que existe "limpeza étnica" sendo realizada em território croata contra a minoria sérvia. O sr. confirma essa informação?
Granic – Isso, se aconteceu, certamente não foi feito por tropas governamentais croatas.
Folha – Então, como explicar esse fato?
Granic – Estamos dispostos a aceitar um julgamento internacional para crimes de guerra e uma investigação independente. A Croácia, quando foi atacada, não tinha um Exército formado. Construímos um Exército durante a guerra. No começo todos eram voluntários, mais algumas forças policiais. Quem ia garantir o controle de todas as forças? E é por isso que estamos dispostos a aceitar investigações sobre crimes cometidos por todos os lados.
Folha – O sr. teme que a situação na Croácia possa repetir o que acontece em Chipre, um país dividido desde 1974 entre dois grupos étnicos, no caso, entre gregos e turcos?
Granic – A Croácia não está disposta a aceitar a implantação do modelo de Chipre. Mas isso não quer dizer guerra, quer dizer que a Croácia vai tentar achar uma solução, sendo muito ativa na área diplomática. Sem paz na Croácia, é impossível conseguir paz e estabilidade em toda a região.
Folha – Quanto a guerra custou à Croácia?
Granic – Se falarmos em vítimas, foram cerca de 15 mil mortos e 25 mil feridos. Agora existem 2.230 desaparecidos e temos no país 200 mil refugiados, mais 200 mil refugiados que vieram da Bósnia. Temos ainda refugiados croatas que estão fora do país, entre 60 mil e 70 mil.
Sobre custos diretos, da destruição, estão entre US$ 20 bilhões e US$ 25 bilhões, mas naturalmente sofremos muito mais, porque a economia perdeu parte de sua capacidade de produção. Contabilizamos ainda mais 210 mil casas destruídas ou muito danificadas.

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