São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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O grande acordo nacional

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

À medida que a candidatura Fernando Henrique sobe nas pesquisas, já superando os 40% de intenções de voto, torna-se claro que deixa de ser a proposta de um partido ou de uma coligação de partidos, para se transformar na expressão de um grande acordo nacional.
Um grande acordo social-democrático e pragmático em torno de algumas idéias-chave: a estabilidade dos preços, a retomada do desenvolvimento e a criação de empregos, o papel coordenador do mercado, a garantia da propriedade e dos contratos para viabilizar a ação empresarial, a prioridade da distribuição de renda, a necessidade da reconstrução do Estado e seu papel decisivo na promoção da saúde e da educação.
Este resultado não é surpreendente. Em maio, logo após o lançamento da candidatura de Fernando Henrique, escrevi nesta Folha (1/5/94): "...três semanas depois que deixou o Ministério da Fazenda, já é possível ver sua candidatura sob um novo ângulo, à medida que Fernando Henrique começa a personificar muito mais do que uma mera aliança eleitoral, um grande pacto político, uma grande coalizão de classes em torno de algumas idéias-força. E ao acontecer este fato, sua candidatura deixa de depender diretamente tanto do êxito do plano...".
Dois meses depois da reforma monetária, está claro para todos o êxito do Plano Real. A percepção deste fato deu, como era esperado, um grande impulso à candidatura, mas não é a única causa do enorme apoio que Fernando Henrique vai acumulando.
A outra causa foi ele ter sabido identificar-se com um movimento psicossocial mais profundo da sociedade brasileira –com a sensação de que o pior da crise brasileira já passou e que é novamente justificável um otimismo básico em relação às perspectivas do país.
Fernando Henrique vem insistindo nesta idéia. O Brasil passou por grandes reformas nos últimos dez anos e surge agora uma oportunidade real de um novo salto em direção ao desenvolvimento. As pessoas não percebiam esse fato porque a alta inflação cegava a todos. Agora se dão conta da dimensão das reformas alcançadas.
A democracia foi atingida, o ajuste do balanço de pagamentos tem mais de dez anos, a liberalização comercial é um fato, privatizações foram realizadas sem se tornarem predatórias do patrimônio público, o ajuste fiscal apresentou substanciais avanços -embora continue um permanente desafio-, as empresas passaram por um extraordinário processo de reestruturação e se revelaram capazes de competir internacionalmente.
Dentro desse quadro, não faz sentido uma mensagem tão crítica como a do PT, ainda que haja muito a mudar e a corrigir. O impeachment de Collor e a CPI do Orçamento mostraram que a ética na política tornou-se um requisito básico. Já não se aceitam mais candidatos corruptos. A CPI do Orçamento foi também um severo julgamento do fisiologismo. Também não se aceitam candidatos meramente populistas. Lula escapava a essas duas críticas, mas não escapou do pessimismo e de um certo radicalismo, que também haviam perdido sentido.
Na verdade, um país como o Brasil, onde as desigualdades sociais são tão profundas, não logrará uma efetiva governabilidade enquanto não contar com um pacto político amplo e informal orientado para o desenvolvimento.
Nos países desenvolvidos, onde a coesão social é muito maior, basta o contrato social básico –o contrato social dos filósofos contratualistas– para legitimar o Estado e seu governo. Quando, entretanto, a heterogeneidade social é radical, como ocorre no Brasil, o governo e as classes dirigentes precisam se associar com os trabalhadores através de uma idéia e de uma prática de desenvolvimento econômico.
Nesse processo político e social, confirmando-se a vitória de Fernando Henrique, o papel que desempenhará o PT será estratégico. Setores importantes da sociedade brasileira –trabalhadores, intelectuais, burocratas e mesmo empresários– estão nele representados. O grande acordo nacional que se delineia será sempre incompleto se não tiver, de alguma forma, a participação da esquerda moderada presente no PT.
Os defensores radicais das duas candidaturas imaginam que haja diferenças ideológicas fundamentais entre os setores liderados por Lula no PT e o PSDB. Não é verdade.
No início deste ano, realizou-se uma série de reuniões para que se comparassem os programas dos dois partidos. Esta comparação seria útil caso houvesse a possibilidade de uma coligação no primeiro ou no segundo turno.
Verificou-se que as diferenças eram menores, a não ser em relação à visão nacionalista e estatista, mais forte no PT. Mas mesmo essa diferença não impediu que, no Congresso, PSDB e PT muitas vezes votassem juntos. Recentemente, o PT acusou o PSDB de plagiar seu programa. Obviamente não o fez, mas as semelhanças são inevitáveis.
Uma coligação não foi possível no primeiro turno, já que ambos os partidos possuíam um candidato com chances efetivas de chegar à Presidência, e provavelmente não será possível no segundo turno, no qual os dois se enfrentarão. Mas é preciso não radicalizar em nenhum momento. É preciso não exagerar as diferenças, porque afinal elas não são tão grandes.
As democracias se consolidam quando a sociedade se torna suficientemente homogênea, de forma a não permitir alternativas radicais nas eleições. É por isso que nas democracias dos países desenvolvidos existe um centro político forte, de forma que as diferenças de posição ideológica e programática dos candidatos são relativamente pequenas.
No Brasil, ainda existe espaço para diferenças maiores. O movimento em relação ao centro que todos os candidatos tiveram de fazer, entretanto, mostra que esse espaço é menor do que se pensa.
Por outro lado, a tendência para um grande acordo nacional em torno do futuro presidente da República é uma indicação de que é preciso levar a atual campanha eleitoral até o final de forma construtiva, reconhecendo as diferenças mas não as exagerando. Assim, após as eleições, ganhe quem ganhar, será possível orientar o Brasil para o desenvolvimento com justiça social.

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