São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Corrida maluca

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

"A Benetton matou Ayrton Senna". A frase, dirigida a mim por um irado fã de Ayrton e da Fórmula 1, dá, em toda a sua exaltação, o que pensar. Nenhum outro esporte ou negócio esportivo de projeção mundial tem-se revelado tão sórdido e indefensável quanto a Fórmula 1 ao longo deste ano.
É verdade que uma dose de risco faz e sempre fez parte desta modalidade de automobilismo, mas o que se vê atualmente nas pistas e fora delas vai muito além: a irresponsabilidade e a trapaça passaram a comandar a disputa.
O saldo é conhecido: dois mortos, um incêndio no box e outros tantos acidentes.
Na linha de frente da impostura, a equipe Benetton, sob o comando do italiano Flavio Briatore, deixa envergonhado o até aqui insuperável Dick Vigarista, aquele personagem do desenho animado "Corrida Maluca", com seus bigodes à la Fiuza. Gente ligada ao esporte há muito tempo já não hesita em chamar Briatore de "gângster".
Que Michael Schumacher é um excelente piloto, todos sabem. Desde sua estréia viu-se que ali surgia um futuro campeão mundial. Pena que o título esteja sendo construído à custa de artifícios extra-esportivos –e que os responsáveis pela Fórmula 1 movam-se com lentidão e complacência diante das malandragens da Benetton.
As revelações sobre os truques do "capo" Briatore para iludir o regulamento servem para reforçar ainda mais a certeza de que a morte de Ayrton Senna poderia ter sido evitada. Pode-se deduzir hoje que Senna foi vítima não apenas do desleixo quanto à proteção da Tamburello e de uma falha mecânica da Williams. Ele estava sendo forçado a andar além do limite para superar um carro com motor pior, piloto pior e, no entanto, mais veloz do que o seu –por que razão, afinal?
A responsabilidade da Benetton –e mais diretamente, do sr. Briatore– na instauração de um ambiente de descrédito e insegurança na Fórmula 1 é, a essa altura, evidente. As punições até aqui impostas a Schumacher têm endereço errado, diante do que foi feito: uso de equipamento proibido, adulteração do sistema de abastecimento (que dá o que pensar sobre a famosa saída do box à frente de Ayrton, em Interlagos), desrespeito à bandeira preta e, finalmente, irregularidade no fundo do carro, no GP de Spa Francochamps, na Bélgica.
Diante de tanta desfaçatez, o time de Briatore já deveria estar eliminado da competição. Claro que os interesses financeiros dificultam soluções mais rigorosas. De qualquer forma, a provável vitória de Schumacher na temporada (justa para o piloto que é, longe, o melhor) ficará para a história da Fórmula 1 como a mais opaca e duvidosa das conquistas.

Ilustração: "Menina correndo na varanda", óleo s/tela, Giacomo Balla, 1912

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