São Paulo, quarta-feira, 7 de setembro de 1994
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Produtos populares, a nova estratégia empresarial

STEPHEN KANITZ
A política de substituição de importações acabou dando uma direção à economia brasileira não compatível com a realidade. Uma indústria voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população. Produtos importados e sofisticados importados pelos ricos passaram a ser produzidos aqui e assim crescemos. A má distribuição da renda não foi uma consequência, mas uma necessidade para se escoar a produção.
Este modelo parece que se esgotou por várias razões: existem cada vez menos ricos no Brasil, e no mundo, e os que temos irão de novo importar os seus carros, "hometheaters" etc., com a abertura das importações.
Tentar enfrentar o problema produzindo produtos ainda mais sofisticados, com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes no Primeiro Mundo, será uma tentativa desigual. Os países do primeiro mundo sempre terão mais escala, menores preços simplesmente porque suas populações são mais ricas.
A saída será reorientar a produção para os 20%, 30%, 40%, 50% seguintes na escala econômica. Os 50% mais pobres da população infelizmente ainda serão marginalizados.
As vantagens porém são enormes. Quando rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda. Quando pobre fica mais rico, saia debaixo. Por exemplo, um aumento de 1% de crescimento no PIB, aumenta 3% o consumo de ovos.
No ano 2000, 2/3 da população mundial será relativamente pobre e se nós pudermos criar e vender produtos adequados para os nossos, aí sim, teremos condições de exportar competitivamente para o mundo. E o nosso grande concorrente será a China, e não a Coréia, Japão e Estados Unidos. "Meno male".
Nossas empresas, em média, estão mal preparadas para o segmento de produtos populares. Primeiro na concepção do produto. Precisaremos tirar o ABS do freio, o "dolby" do som e tantas outras sofisticações que encarecem o produto. O produto ideal está mais na linha do "Meu Primeiro Gradiente", colorido, resistente e barato.
Reintroduzir o Fusca foi uma idéia na direção certa, mas o correto seria introduzir a bicicleta com motor. O meio de transporte compatível com a renda atual do brasileiro médio é a bicicleta de US$ 90,00 e não um carro "popular" de US$ 8.000,00.
A procura pelo último avanço tecnológico deve ser medido contra o seu custo. No caso das patentes em medicina, existem dezenas de remédios cujas patentes já se tornaram domínio público. Possuem efeitos colaterais que os novos remédios não têm, mas possuem uma enorme vantagem. São baratos e acessíveis.
A qualidade dos produtos populares normalmente é menor. Um carro popular fica parado quatro dias na oficina por ano em média. Um carro importado um dia por ano. A escolha é sua: quatro dias a mais por ano ou US$ 30.000,00 a mais no seu bolso.
O governo, concentrado em manter seus monopólios, relega a sua função de agente de mudança. Neste novo modelo a ação do governo se faz necessária.
No caso das bicicletas, surgem imediatamente o problema de trânsito e falta de ciclovias. No caso dos metrôs, a falta de planejamento.
Enquanto no modelo industrial anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares, requer o aumento da renda primeiro para depois crescermos. O que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários.
No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador, aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa. E se o país crescer os riscos de desemprego serão menores.
Uma vez dominado o mercado brasileiro, teremos os mercados da China, Grécia e Índia ao nosso alcance. Caso contrário seremos eternamente fornecedores terceirizados do Primeiro Mundo.
A opção por produtos populares não é nova. As empresas que deram certo nestes últimos dez anos optaram justamente por este caminho.
As empresas que seguem as últimas coqueluches gerenciais do momento no Primeiro Mundo acabam embarcando em "niche-marketing", ciclo de produtos curtos, data-base marketing, técnicas ideais para os problemas gerenciais norte-americanos e europeus. A realidade brasileira porém é outra e nossos problemas precisam de nossas soluções.
STEPHEN KANITZ, 48, master em Business Administration pela Universidade de Harvard (EUA), é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo). Foi assessor do Ministério do Planejamento (governo Sarney). É autor do livro "O Brasil Que Dá Certo".

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