São Paulo, quarta-feira, 7 de setembro de 1994
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Milagres econômicos

SALOMÃO QUADROS

Milagres econômicos são fenômenos raros e recentes. Concentrados na segunda metade deste século, parecem ter ocorrido, com graus decrescentes de consenso, apenas no Japão, nos Tigres Asiáticos, na Alemanha e no Brasil. A China, embora possua credenciais, ainda se encontra na condição de candidato.
Em todos esses países, o sentido atribuído ao termo milagre tem sido a manutenção de elevadas taxas de crescimento do produto "per capita" ou da produtividade por períodos de uma a três décadas.
Até o final dos anos 50, persistiam dúvidas se o crescimento da economia japonesa originava-se do esforço temporário de reconstrução de um país devastado pela guerra ou se o processo era genuinamente auto-sustentado. A década de 60 dissipou essas dúvidas. Daí até o primeiro choque do petróleo, em 1973, a economia cresceu 11% ao ano em média.
Na Coréia do Sul, exemplar autêntico de Tigre Asiático, o crescimento mantém-se há mais de um quarto de século ao redor de 10% ao ano. A política econômica é estável e o grau de abertura ao exterior de mais de 30% expõe a produção a um intenso processo de seleção natural.
O crescimento econômico alemão dos anos 50, também confundido de início com o necessário trabalho de reconstrução após a 2ª Guerra, sustentou-se na casa dos 8% ao ano. Dos anos 60 até o primeiro choque do petróleo, o crescimento arrefeceu, não ultrapassando os 4,5% ao ano. Daí em diante a taxa retraiu-se para 2%. A digestão da Alemanha Oriental deve rebaixar ainda mais este valor.
O milagre brasileiro já se tornou objeto de estudos históricos e precisa ser apresentado a pelo menos 60 milhões de brasileiros que nasceram nos últimos 20 anos. Entre 1968 e 1973, o PIB cresceu em média 11,2% ao ano. Essa duração relativamente curta retira parte do brilho do milagre brasileiro, sobretudo quando comparado a experiências congêneres.
Desses quatro episódios, dois parecem ter chegado ao fim por esgotamento, Japão e Alemanha já se aproximaram da fronteira tecnológica e, como economias maduras, crescem mais vagarosamente.
Coréia e Brasil, ao contrário, tiraram proveito de suas posições como retardatários na escala de crescimento. Ser retardatário é uma pré-condição lógica para o rápido crescimento.
A mais recente teoria sobre milagres econômicos, imaginada pelo professor Robert Lucas, de Chicago, é robusta o bastante para explicar porque o milagre coreano perdura e o brasileiro encerrou-se precocemente.
Como enfatiza o professor Lucas, a orientação exportadora seguida pela Coréia requer a satisfação de gostos e preferências de clientelas muito mais diversificadas do que os consumidores de um único país. Esse compromisso obriga a Coréia a renovar suas linhas de produção muito mais frequentemente do que o Brasil.
A introdução de uma nova linha de produção resulta em aprendizado por parte de trabalhadores diretos e gerentes. Aprendizado nesse contexto é sinônimo de aumento de produtividade, um dos pilares do crescimento econômico.
Os processos de aprendizado acontecem em geral a taxas decrescentes, isto é, aprende-se muito quando se sabe pouco e vice-versa. Por isso, os ganhos de produtividade são mais elevados nas fases iniciais do aprendizado.
Economias direcionadas para o comércio exterior, como a Coréia, com a introdução mais frequente de novos produtos, terão sempre maior número de setores industriais experimentando tais ganhos de produtividade. Daí o crescimento econômico a taxas milagrosas.
Contrariamente, políticas de substituição de importações como as que nortearam o milagre brasileiro, por adequarem a produção apenas ao consumo doméstico, exigem muito menos em termos de introdução de novos produtos. O efeito inicial dessas políticas pode até ser a aceleração das taxas de crescimento, mas o processo se extingue em tempo mais curto.

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