São Paulo, quarta-feira, 7 de setembro de 1994
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Christie acha que barroco já é tradição

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Concerto: Les Arts Florissants
Regente: William Christie
Quando: segunda e terça, às 21h
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 011/256-0223 e 257-3261
Quanto: R$ 50,00 (central), R$ 40,00 (lateral A) e R$ 5,00 (estudantes, meia hora antes dos concertos)

O conjunto vocal e instrumental francês Les Arts Florissants se apresenta segunda e terça no teatro Cultura Artística de São Paulo.
O grupo vem ao Brasil pela segunda vez. Há dois anos, tocou no Rio de Janeiro.
Com idade média de 25 anos, os integrantes dos Les Arts Florissants forjam uma das moedas fortes da moda da música histórica, que ganhou corpo na Europa desde 1992, mas surgiu no século 19 (leia texto abaixo).
O conjunto se dedica há 15 anos a restaurar o repertório operístico e sacro do barroco francês, italiano e inglês (séculos 17 e 18). Fez voltar à vida as obras de compositores como Jean-Baptite Lully (1632-1687), Marc-Antoine Charpentier (1634-1704) e Luigi Rossi (1597-1653), até os anos 60 totalmente esquecidas.
Para realizar esses projetos, o regente só poderia ser um musicólogo: o norte-americano William Christie, 50, também cravista e pianista, formado nas universidades de Yale e Harvard nos EUA e desde 1972 morador de Paris.
Christie falou à Folha anteontem, por telefone, de sua casa, pouco antes de viajar a Amsterdã, onde Les Arts Florissants se apresenta hoje.
O programa na Holanda é o mesmo a ser mostrado em São Paulo, exclusivamente com peças sacras e profanas de Marc-Antoine Charpentier, um dos compositores favoritos de Christie.
Na entrevista, o maestro afirma que hoje a música barroca está mais presente para o público do que a produção contemporânea.

Folha - O sucesso da música histórica é moda ou já constitui uma tradição?
William Christie - Já não podemos falar mais em modismo. Há 10 ou 15 anos a música histórica passou a fazer parte do repertório. Temos uma tradição, embora recente. O público está mais educado e preparado para as obras de Rossi, Lully e Charpentier do que há dez anos. O barroco já faz parte dos hábitos, algo impossível em música no início do século.
As novas gerações de intérpretes estão mais preparadas para dar conta de um repertório que nos anos 50 era impossível de ser tocado ou interpretado com o mínimo de fidelidade.
Folha - Por que a média etária dos músicos é menor na música histórica do que nos grupos tradicionais ou contemporâneos?
Christie - Não sei. Talvez o interesse pelo barroco seja maior entre as novas gerações. A média de idade de Les Arts Florissants é de 25 anos. Vejo cada vez mais gente jovem assistindo aos concertos.
Folha - Como ser fiel às fontes sem cair na arqueologia pura e fria?
Christie - Hoje já existe uma maior homogeneidade na interpretação das obras barrocas. Criou-se um consenso interpretativo baseado em fontes seguras. Isso permite que cada grupo desenvolva seu "calor interpretativo". E para mim vira uma coisa pessoal tocar uma obra de que gosto.
Folha - Por que você preferiu a música antiga à contemporânea para se dedicar?
Christie - Porque gosto mais dessa música. Comecei em Nova York como pianista contemporâneo, mas aos poucos percebi que a música contemporânea era inacessível, não dizia nada.
Considero como genuinamente contemporâneo os trabalhos de Sting, Beatles e Rolling Stones. Eu ouço os discos deles e sinto prazer. É acessível a todo mundo. O maior fracasso da música de vanguarda foi a falta de comunicação. A música histórica integra a vida diária das pessoas, ao contrário da música de vanguarda.
Folha - A música de Charpentier faz sucesso?
Christie - Claro que faz! Nossa turnê com obras de Charpentier tem servido para mostrar o quanto a obra do mestre francês é popular. Recebemos manifestações calorosas em todos os lugares. Foi anteontem em Londres, será assim no Brasil.
Folha - Por que você escolheu a obra de Charpentier? Por que não a de Lully?
Christie - Porque gosto mais. É um dos maiores compositores do barroco. Compunha com muito mais cuidado que Lully. As partituras de Charpentier possuem detalhes de dinâmica, ritmo e interpretação que só se tornariam comuns no século 18. Basta ouvir a ópera "Medée", de Charpentier, que gravamos, para se ter idéia.
As partituras de Lully são quase todas formadas por enormes lacunas. Charpentier era mais compositor. E um de meus favoritos.
Folha – Les Arts Florissants acaba de assinar um contrato de exclusividade com a Erato/Warner Classics. Foi lucrativo?
Christie - Muito. Teremos liberdade de ação. Vamos lançar em novembro os grandes motetos de Rameau, regravar "Medée" e "Dido e Enéas", de Purcell. Para nosso antigo selo, Harmonia Mundi, acabamos de gravar os "Concerti Grossi", de Corelli.

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