São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Que Brasil pretendemos?

MIGUEL JORGE

Neste momento em que se retomam as conversações da câmara setorial e em que se ameaça o setor automobilístico com importações sem tarifas, exatamente quando se planejam enormes investimentos em novos produtos e até em novas fábricas, algumas notícias internacionais recentes deveriam merecer reflexão.
Até novembro, a França espera vender a Renault para impedir a falência da Air France (aviação comercial), da Bull (computadores) e do Credit Lyonnais (banco). A estatal de veículos, símbolo da industrialização e da classe operária da França, vende atualmente 1,8 milhão de unidades no mundo, tem 30,6% do mercado interno e 10,5% do europeu.
A Índia, que sempre inspirou governos e burocratas brasileiros, especialmente quanto ao terceiro-mundismo e o não-alinhamento muito em voga nos anos 70, prepara-se para uma explosão no setor automobilístico: em um ano, a GM, a Daimler-Benz, a Peugeot e a coreana Daewoo devem começar a produzir veículos no país, enquanto o governo já negocia empréstimos com organismos internacionais de crédito para reformar suas rodovias.
A China planeja o aumento da capacidade de produção das montadoras já instaladas no país, entre elas a Volkswagen, que já anunciou uma nova fábrica para produzir Audi. Negocia-se a entrada da Chrysler no mercado chinês de ônibus, hoje dominado pela Mercedes-Benz.
A Rússia, que nos velhos tempos de União Soviética teve até um Ministério do Automóvel, privatiza suas fábricas de veículos e abre ao capital externo quase todos os setores produtivos, sobretudo o automobilístico.
Tratam-se de países que querem crescer e sabem que podem ter no setor automobilístico uma das principais alavancas de seu desenvolvimento, usando a tecnologia, qualidade, competitividade e efeito multiplicador da indústria.
Recente informe técnico do International Finance Corporation (IFC), órgão do Banco Mundial, foi ainda mais enfático ao considerar os impactos positivos da indústria automobilística na situação dos trabalhadores, da produção e da economia como um todo. Pode ter papel dominante no crescimento econômico, principalmente numa economia globalizada.
Impressiona ainda mais o fato de que, apesar dos diferentes regimes políticos e estágios de desenvolvimento, há grandes afinidades entre os países que incentivam a produção e venda de veículos.
A China, por exemplo, mesmo mantendo taxa de crescimento de 10% ao ano até o final da década, terá 268 milhões de desempregados no ano 2000, quando sua população será de 1,3 bilhão de pessoas. Fator importante para o crescimento, considerado até explosivo, do país tem sido a indústria automobilística local.
Na Índia, com vendas crescendo 30% por ano nos últimos dois anos, com a redução dos impostos, o quadro é o mesmo: com grandes bolsões de miséria espalhados pelo país, o governo espera que as montadoras recém-chegadas criem empregos, produção, salários etc, isto é, riqueza, a partir do efeito multiplicador da indústria.
A França e a Espanha, de governos socialistas, para incentivar as vendas de carros e, por consequência, a produção, pagavam quase US$ 1.000 para o consumidor que trocasse seu carro com mais de dez anos de uso.
Em resumo, todos os países que têm indústria automobilística, sem exceção, reconhecem sua importância e, a partir daí, reforçam-na com adequadas políticas industrial, fiscal, tributárias e outras, especialmente quando vêem problemas rondando o setor.
A questão que se coloca, enfim, como um desafio interno que o Brasil deve fazer a si mesmo, às vésperas de uma eleição, é em que medida se quer progredir. Está aí o estudo do IBGE que revelou ter o Brasil 20 milhões de indigentes, ou 21% de sua população, quase uma Argentina.
Em contrapartida, temos hoje uma indústria automobilística preocupada em aproveitar todas as chances de mudança, para dividir os frutos do crescimento com o governo, os consumidores e os trabalhadores. Só assim, na verdade, será possível alimentar o mercado da qual ela depende e repor parte substancial do que ela recebe na consolidação e aumento da sua própria capacidade de produzir e multiplicar riquezas.
Mas é preciso responder, que Brasil pretendemos?

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