São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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Corman dá receita de reciclagem

INÁCIO ARAÚJO
DA REDAÇÃO

Na terça-feira, Roger Corman encontrou o cineasta brasileiro Carlos Reichenbach (autor de "Alma Corsária"). A Folha registrou a conversa realizada na Sala de Montagem (firma especializada em montagem e edição de filmes).

Carlos Reichenbach - É um prazer conhecê-lo, sr. Corman.
Roger Corman - Me chame de Roger. É aqui que você vive?
Reichenbach - Em São Paulo?
Corman - Não, nessa casa!
Reichenbach - Não, isso não é meu. Nós só alugamos a moviola. Mas vamos falar de filmes. Como você descobriu o mercado para seus filmes?
Corman - Eu notei que os filmes deveriam se dirigir a um público jovem. As produções dos grandes estúdios se dirigiam a um público que já estava com 30, 40 anos. Com o baixo orçamento de meus filmes eu não poderia competir. Mas, se fizesse filmes para os mais jovens, com seus 15 anos, achava que o mercado responderia. As pessoas gostam de ver pessoas como elas mesmas no cinema.
Reichenbach - A sua maior diferença em relação ao cenário americano foi a opção pelo cinema de gênero. Você criou gêneros que marcam uma determinada época, são quase históricos, como os da Turma da Praia.
Corman - Eu produzi vários desses filmes, eu os acho ótimos, mas não cheguei a dirigi-los. Eram comédias leves, e meu tipo de direção exige temas mais duros.
Reichenbach - E, na geração de diretores que faziam esses filmes da Turma da Praia, havia alguém com um talento especial?
Corman - Não, esse tipo de comédia tem um estilo mais próximo das comédias para a TV do que do cinema.
Reichenbach - Sabe, meu primeiro filme, "Corrida em Busca do Amor" (1972), era uma homenagem a essas produções da American International. Esse tipo de filme era feito em quanto tempo, com quanto negativo?
Corman - Levava três ou quatro semanas, às vezes um pouco mais. A quantidade de filme usado é um outro problema. Nesse tipo de produção eu geralmente utilizava 200, 250 mil metros de negativo. Na América do Sul sei que se gasta muito menos. Talvez porque aqui o negativo seja muito caro. As pessoas devem ser mais cuidadosas. Quanto você usa?
Reichenbach - Em uma produção média, 10.000 a 12 mil metros. Nos filmes que você produzia nessa época quem dava o corte final: você ou o diretor?
Corman - Eu nunca tive problemas com isso. Eu dava o corte final, mas sempre estive muito próximo de quem estava na direção. Na verdade, eu nunca usei a idéia de que eu comandava o filme. Acho que não seria psicologicamente produtivo. Sempre discutíamos tudo, eu e o diretor.
Reichenbach - O que o levou ao escritor Edgar Allan Poe? Corman - Eu gostava de Edgar Allan Poe desde o ginásio. Então, convenci a produtora a me dar um pouquinho mais de dinheiro para realizar "O Solar Maldito" ("House of Usher", de 1959). Eu não planejava dirigir uma série de filmes a partir de Poe, mas como o sucesso do primeiro foi grande eles sempre me pediam outro. Uma hora eu tive que dizer: "Chega. É hora de fazer outra coisa".
Reichenbach - Falando dos atores com quem você trabalhou, como Vincent Price, Boris Karloff e Debra Paget...
Corman - Maravilhosa!
Reichenbach - Você os tinha sob contrato?
Corman - Eram contratos feitos filme a filme.
Reichenbach - Você já disse que "O Massacre de Chicago" (1967) é seu melhor filme.
Corman - Eu gosto do filme. Não sei se é o meu preferido.
Reichenbach - Acho que você gastou mais no filme, há nele um requinte maior de produção.
Corman - Eu fiz o filme para a Fox. Era o menor orçamento deles naquele ano. Mas era o maior orçamento que eu já tivera. A mansão de Al Capone tinha sido a mansão de "A Noviça Rebelde". Eu redecorei e transformei em mansão de Al Capone. O bar do filme tinha sido um bar de Hong Kong de um filme com Steve McQueen e virou um bar de Chicago.
Reichenbach - O primeiro plano do filme é impressionante. Parece que você fez como Orson Welles em "A Marca da Maldade", gastou metade do orçamento no primeiro plano.
Corman - É, sim. (risos)
Reichenbach - Um outro filme que nós aqui achamos que é sua obra-prima é "O Homem dos Olhos de Raio-X".
Corman - Eu gosto. Eu só acho que era uma idéia muito boa, e nós não tínhamos dinheiro para os efeitos especiais. Mas várias pessoas pensam como você. Acho que valorizam a idéia e esquecem os efeitos especiais.
Reichenbach - É um filme que transforma a falta de condições em criatividade. O que você acha da nova geração que segue seu modo de produção?
Corman - Há gente de que eu gosto muito, como Wes Craven. John Carpenter também é ótimo.
Reichenbach - O que você acha quando seus filmes são chamados de "trash"?
Corman - Também chamam "pop films", ou independentes, ou de baixo orçamento. Enfim, chamem como quiser. Os filmes existem.
Reichenbach- Vamos encerrar? Você está cansadíssimo.
Corman- Sim. Foi muito bom te encontrar. Espero que quando você for a Los Angeles venha me encontrar.

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