São Paulo, quinta-feira, 8 de setembro de 1994
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O "ateu" Fernando Henrique

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Escrevi nesta coluna que Lula corria um risco maior do que virar ex-candidato: corre o risco de virar um ex-Lula. Essa suspeita ficou mais forte quando ele resolveu agora chamar Fernando Henrique Cardoso de "ateu", numa exploração barata da religião.
Considero Lula o personagem vivo mais interessante da política brasileira. Nunca, em toda a história do Brasil, alguém que veio de tão baixo na escala social provocou tantas mudanças: mudou a cara do sindicalismo e criou o único partido que merece o nome de partido.
Seu lugar na história já estaria garantido apenas por uma de suas idéias: a campanha contra a fome. Coordenada por Betinho, a campanha tornou-se um dos movimentos sociais mais férteis do país. Coloco-a no mesmo nível do movimento abolicionista. Não pode existir maior escravidão do que a fome.
A ressonância de sua pregação pelos excluídos ajudou decisivamente a manter a miséria no topo da agenda nacional. Dele partiu a melhor bandeira dessa sucessão: "Nenhuma criança fora da escola". Apesar de dominar pouquíssimas prefeituras, o PT tem a exibir uma rica coleção de experiências bem-sucedidas em saúde e educação. Experiências em cidades mais ricas, como Porto Alegre, e pobres, como Icapuí, no Ceará.
Fernando Henrique corre o sério risco de virar um ex-Fernando Henrique. Ele nega que tenha dito "esqueçam o que escrevi". Mas, na prática, faz algo pior: pede que esqueçam quem foi ele. Sua campanha macula-se pelas alianças com a oligarquia mais retrógrada e pela manipulação inescrupulosa da máquina pública.
E Lula corre o risco de virar um ex-Lula por um fato óbvio: sua campanha está suja. Chamar Fernando Henrique de "ateu" é apenas um dos pontos salientes dessa evidência. Antes, classificou-o de "Ali Babá". Aos berros, xingou Rubens Ricupero de "crápula". Referiu-se a donos de jornais e jornalistas como "filhos da puta".
Sua campanha não propõe alternativas. Limita-se à tentativa de destruir um candidato. Indisfarçável a torcida para que o agravamento da inflação forneça bom material de campanha.
Já somos um país tão pobre de sérias lideranças populares. Lula é muito importante ao país para que corramos o risco de ter um ex-Lula.

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