São Paulo, sábado, 10 de setembro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Do discurso à prática
MARCELO GOMES SODRÉ A inflação é um mal em si mesmo. É perversa, concentradora de renda. Privilegia poucos em detrimento de muitos.O fim da inflação, porém, não é um bem em si mesmo: é preciso garantir um poder aquisitivo mínimo para que a população possa ser efetivamente beneficiada. É preciso pensar nesta equação: estabilidade de preços e garantia de patamar mínimo de subsistência. O que importa discutir é se o Plano Real pode garantir este patamar e, ao mesmo tempo, a estabilidade dos preços, e qual o papel da diminuição das alíquotas de importação neste contexto. Grande parte do empresariado brasileiro sempre se pautou por falar uma coisa e agir de forma inversa. Durante muitos anos, criticou diretamente a política governamental por ser intervencionista e defendeu a liberdade de mercado como o grande motor do acerto das próprias relações econômicas. Quando se passa à prática, o que encontramos é o inverso: busca-se usar o Estado como um biombo de proteção contra a chamada concorrência, seja interna, seja externa. É neste contexto que devemos entender as críticas à lei antitruste e, agora, a irada crítica à redução das alíquotas. Vamos dar o exemplo do que ocorreu com os produtos da cesta básica, mas já sabendo de antemão que os preços dos bens duráveis subiram mais que estes. A cesta básica Procon-Dieese subiu, de agosto de 1993 a agosto de 1994, 18,40% em real. Que consumidor teve aumento salarial de tal monta neste período? As quedas ocorridas na cesta básica nos últimos dois meses são totalmente insuficientes para garantir à população o mesmo patamar de consumo de um ano atrás. O que deve o governo federal fazer? Permitir que os preços continuem altos? Ou intervir, no sentido de diminuir a proteção que há anos o Estado dá aos setores empresariais, abaixando as alíquotas e com isto recolocando a concorrência como algo importante? Não foram os empresários que sempre defenderam o livre mercado? Por que se rebelar agora? No entanto, como não me perfilo entre aqueles que defendem que não cabe papel ao Estado na economia, entendo que a diminuição de alíquotas deve ser um dos instrumentos a ser usado para estabilizar os preços. O uso deve ser tático e inteligente. Não existem dúvidas de que alguns setores continuam oligopolizados e é nestes setores que esta política pode surtir efeitos e deve ser utilizada. O uso, porém, não pode ser indiscriminado, sob pena de afetar o poder aquisitivo da população, na exata medida em que pode gerar desemprego. Outros instrumentos, por exemplo, devem ser lembrados: a própria lei antitruste; a verdadeira institucionalização de um sistema e de uma política nacional de defesa do consumidor; a existência de estoques reguladores. Nunca se percebeu tão claramente nos discursos empresariais tanta vontade de diminuir os preços. O que se espera é que este discurso se transforme em prática, sobretudo após as eleições. A prova da boa fé dos empresários já se coloca presente: ou se aceita a existência de instrumentos efetivos e permanentes de combate aos setores formadores de preços, ou o plano é mais um engano imposto ao consumidor. Garantir uma vida digna ao cidadão brasileiro: este objetivo nunca pode ser esquecido. Texto Anterior: Triste papel de vendedor cativo Próximo Texto: Contra o ódio racial; Defesa de Ricupero; Conflito em Belo Horizonte; Dia da Imprensa; Pluralismo; As misérias da cultura; Telhado de vidro; Discriminação Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |