São Paulo, sábado, 10 de setembro de 1994
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Triste papel de vendedor cativo

ABRAM SZAJMAN

Um alto e claro "sim" é a única resposta possível à pergunta que a Folha me faz.
E não é de hoje, e nem apenas é uma questão relativa às atuais circunstâncias do Plano Real: temos absoluta convicção de que o fato de o país ter ficado, durante tanto tempo e da tal maneira, fechado às importações, acabou resultando em uma das causas estruturais do flagelo que é a inflação e daquilo que ela provoca, especialmente a concentração de renda.
Na verdade, fazer esta pergunta ao comércio é quase uma redundância. Desde o tempo das caravanas e das caravelas, nosso papel foi o de aproximar povos e culturas, através da busca de produtos diferenciados, da procura permanente da qualidade e do bem-estar, pelo menor preço.
No Brasil, durante décadas, o comércio foi relegado a um papel pouco criativo, o de vendedor cativo da indústria nacional, embora sem carteira assinada.
Uma imposição que não foi boa para nós nem para a própria indústria nacional e muito menos para o consumidor. Terá favorecido, no máximo, práticas ilegais, como o contrabando.
As restrições às importações prejudicaram o desenvolvimento tecnológico e industrial do país, ao penalizarem máquinas e equipamentos que poderiam contribuir para a modernização de nosso parque industrial.
Permitiram o açambarcamento de parcelas expressivas do mercado interno por grupos cartoriais, oligopólios e monopólios. Conduziram à exportação de "cérebros" e ao quase aniquilamento da pesquisa e da ciência.
As distorções chegaram a tal ponto que, em determinados segmentos, o produto acabado podia ser importado com alíquota zero, mas máquinas destinadas a produzi-los aqui eram gravadas com imposto de 20%.
Este estado de coisas afeta até nossas próprias exportações, historicamente expressivas em produtos primários, mas sofrível nos produtos de maior valor agregado, que hoje constituem a prosperidade, não apenas de gigantes industriais como o Japão, mas de economias fisicamente menores que a nossa, como as dos tigres asiáticos.
Por tudo isso, o comércio é decididamente a favor da abertura aos produtos importados, não apenas agora, mas especialmente agora.
Agora que estamos às vésperas da integração regional com o Mercosul, agora que a criação da Organização Internacional de Comércio (OIC) abre novas perspectivas para as trocas internacionais e agora que o real resgata o valor de nossa moeda, o Brasil não pode continuar na posição marginal de deter apenas 1% do comércio mundial, percentual bem abaixo do que representamos como povo, como nação continental e como economia.
Esta abertura possibilita ao comércio brasileiro ser o que o comércio é em outras partes do mundo: um agente modernizador que compra e vende o melhor, pelo preço menor.
Com isso, não é apenas a inflação que baixa, é o país que cresce e que se afirma, mundialmente. Porque o verdadeiro patriotismo, sobretudo, é isto: o orgulho do nosso, nunca o temor aos outros.

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