São Paulo, terça-feira, 13 de setembro de 1994
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Crise de lideranças

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Passado mais de um mês do início do horário eleitoral na TV, o candidato do PMDB à Presidência, Orestes Quércia, admite, enfim, que "o quadro é ruim". Disputando palmo a palmo a preferência de uma fatia do eleitorado com o histriônico Enéas, o ex-governador de São Paulo é mais um caso a indicar que o país das urnas de 94 é outro, já diverso daquele de 89.
Quércia, de certa forma, comete na sua candidatura o mesmo erro do PT: ambos não parecem se dar conta de que ao longo desses cinco anos muita coisa aconteceu. Tratam o eleitor como se tivéssemos todos vivido um hiato de tempo que serviu unicamente para nos conduzir ao ponto onde estávamos na situação pré-Collor.
O engano é fatal. O país de 94 passou por uma série de experiências que provocou alterações, senão profundas, ao menos significativas, tanto na esfera política quanto econômica.
No primeiro caso, o impeachment de Collor e o escândalo do Orçamento, com todos os excessos, os desvios e as acomodações de que foram cercados, serviram claramente para introduzir um novo parâmetro na relação entre os políticos, a sociedade e suas instâncias de fiscalização do poder.
Por mais defeituosas que possam ter sido as atuações dos meios de comunicação e da sociedade organizada nos dois episódios, é evidente que a cultura política da roubalheira e da irresponsabilidade foi golpeada. O país depôs um presidente e destruiu falsas reputações sem que a democracia sofresse qualquer abalo. Diante do passado, não é pouco.
No campo da economia, as imposições da crise e a agenda deflagrada por Collor (quem não consegue abstraí-la do esquema de corrupção em que mergulhou o ex-presidente não merece ter cérebro) forçaram um ajuste notável no setor privado. É exemplar o caso da indústria automobilística, que, diante da redução de tarifas de importação e impulsionada pelas negociações setoriais, promoveu um rápido processo de modernização de seus produtos e passou a bater recordes históricos.
Ainda que através de uma rota tortuosa, desigual e caótica, o país parece ter elaborado uma equação interessante: ineficiência e cartorialismo no setor privado, fisiologia e corrupção no setor público devem ser trocados por competitividade no primeiro e racionalidade no segundo.
As denúncias, por mais pertinentes que possam ser, e o palavrório, por mais sedutor que se insinue, já não exercem sobre o eleitor o mesmo efeito de cinco anos atrás. Fernando Henrique Cardoso, como nenhum outro, percebeu o que se passa e tratou de se apresentar à sociedade como o candidato da racionalidade e da realização.
A se confirmarem as indicações das pesquisas, Lula e Quércia, duas importantes lideranças políticas até aqui, sairão das eleições em maus lençóis. O petista, abatido por três derrotas, se verá às voltas com o furacão que deverá tomar seu partidfo. Quércia, já fora do baralho, deverá rezar para que os eleitores de São Paulo lhe concedam o mesmo tratamento, longo e pedagógico, que dispensaram a Paulo Maluf –outro que, apesar de sua prefeitura, perde lugar no Brasil de 94.
Incapazes de entender o que se passa, esses políticos vão deixando um inquietante vácuo de lideranças no país. Esperemos que a sociedade saiba renová-las.

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