São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mestre Ernst Lubitsch estréia nas locadoras com comédia menor

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Que o genial Ernst Lubitsch (1892-1947) tenha permanecido até agora ausente de nossas locadoras diz bem das limitações do mercado de vídeo brasileiro. O diabo é que acabam de preencher a lacuna com o filme errado. "Que Sabe Você do Amor?" (That Uncertain Feeling) é uma comédia menor do cineasta. E que ainda menor fica se a compararmos com os dois filmes que ele havia feito imediatamente antes ("Ninotchka" e "A Loja da Esquina") e com o que faria logo a seguir ("Ser ou Não Ser").
Não obstante, é uma exibição notável de bom humor, sagacidade, sofisticação e eficiência. Com o trivial variado do mestre: a guerra dos sexos travada a maior parte do tempo atrás das portas mais maliciosas da história do cinema. A primeira delas, por sinal, é a do banheiro de senhoras.
Uma grã-fina de Nova York (Merle Oberon) sofre de inexplicáveis acessos de soluço. Um psiquiatra (Alan Mowbray) diagnostica: é psicossomático. Causa? Desencanto conjugal. O marido dela (Melvyn Douglas) só pensa nos negócios. Subitamente, entra em cena outro homem (Burgess Meredith), pianista doidivanas, neurótico e misantropo. A grã-fina se apaixona por ele, o marido finge que entende o "coup de foudre" e até lhe dá corda. Mas, por trás, arma todo um bem-sucedido esquema para trazer a mulher de volta ao lar. Devidamente curada dos soluços.
Barafunda típica de Victorien Sardou, comediógrafo de boulevard popularíssimo no final do século passado em sua terra natal (França) e no resto do mundo. Em sua homenagem, o crítico de teatro nova-iorquino George Jean Nathan inventou um verbo, "to sardou", para designar todas aquelas tramóias maquiavélicas amiúde urdidas por Otelos patuscos.
Lubitsch usou como inspiração para o filme uma peça fruto de uma parceria de Sardou com Emile de Najac, que tinha como cenário a Paris de 1880. Antes, porém, de readaptá-la à Nova York de 1940 e acrescentar-lhe novidades modernas como a psicanálise e a pintura surrealista, Lubitsch já a filmara, tendo ao fundo a Paris dos anos 20.
Esta versão, sim, é que deveria estar chegando às locadoras. Produzida na Warner em 1925, intitulava-se "Beija-me Outra Vez" (Kiss Me Again) e dividia entre Marie Prevost, Monte Blue e Maurice Ferriere as atribuições de Oberon, Douglas e Meredith. Pouco conhecida e, por isso, raramente realçada pelos historiadores, arrebatou, na época, inúmeros e até bem qualificados espectadores. Edmund Wilson e Herman J. Weinberg, por exemplo. Outro: Robert Flaherty, que dizia apreciá-la tanto quanto "A Terra", de Dovjenko, seu filme favorito.
"Um filme champanhe num mundo encharcado de cerveja". Nestes termos se manifestou o crítico da revista "The New Yorker", quando da estréia de "Beija-me Outra Vez". Sobre a refilmagem, ninguém fez frases de efeito. Mas num mundo ainda mais encharcado de cerveja, como o atual, "Que Sabe Você do Amor?" pode ser perfeitamente sorvido como um Poilly-Fuisse de boa safra.

Vídeo: Que Sabe Você do Amor?
Produção: EUA, 1941, PB
Direção: Ernst Lubitsch
Elenco: Merle Oberon, Melvyn Douglas
Distribuição: International Classics (tel. 011/288-5588)

Texto Anterior: Americanos inventam thriller fisiológico
Próximo Texto: Fred e Rita dançam Cole Porter em "Ao Compasso do Amor"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.