São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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Americanos inventam thriller fisiológico

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Depois do furacão Sharon Stone implodir os limites do erotismo sublimado em "Instinto Selvagem", Hollywood parece vagar em busca de uma nova fórmula capaz de assegurar o sucesso dos thrillers. "Malícia" e "Blink - Num Piscar de Olhos" recorrem a argumentos de ordem fisiológica para tentar restabelecer a eficácia do triângulo um homem, uma mulher e um perigo.
"Blink" traz a estonteante Madeleine Stowe como uma violinista cega que recebe uma doação de córneas e passa a ser perseguida por um psicopata obcecado por vítimas transplantadas.
O esquema da jovem deficiente perseguida por maníacos homicidas já rendeu outros trillers pouco memoráveis como "Um Clarão nas Trevas", com Audrey Hepburn, "Terror Cego", com Mia Farrow, e o mais recente "Jennifer 8 - a Próxima Vítima", com Uma Thurman.
A repetição da trama não é propriamente o defeito de "Blink". O pior é sua condução burocrática estar nas mãos de Michael Apted.
As interessantes imagens iniciais da visão turva de Emma Brody, por exemplo, caem no abandono em vez de criar a armadilha do suspense. A tensão se dissolve à medida que o olhar de Emma vai ganhando em nitidez.
Estrelado pela musa de Tom Cruise –Nicole Kidman, nada mal– e pelo muso de Kim Basinger –Alec Baldwin, muito mal–, "Malícia" recupera a situação básica que fez dos filmes noir dos anos 40/50 um gênero mitológico.
Encarnando um protótipo de personagem eternizado por Veronica Lake e Lana Turner, Kidman interpreta a mulher que tem como único objetivo arruinar os homens. Do marido com ar bobão ao amante de perfil sedutor, ninguém escapa à teia armada por ela. Nada de muito excitante, porém, se comparado ao que Kathleen Turner fazia com William Hurt em "Corpos Ardentes".
O diretor Harold Becker, que já assinou inversões de papéis muito mais maliciosas em "Vítimas de uma Paixão" parece interessado apenas em criar pistas falsas.
Em meio à confusão o argumento fisiológico –aqui, uma gravidez tubária– assume a função de disfarce para a criminalidade latente.
O curioso nestas novas produções é o fato de elas recorrerem a distúrbios corporais para justificar a irrupção da criminalidade. Antes, a fonte do mal dispensava justificativas, era institual, básica, o que também garantia a manifestação do erotismo, comercialmente valiosa.
Depois de Sharon Stone, a sensualidade associada ao mal, à malícia, já não se manifesta como pulsão. O organismo é que se tornou doente. E o mal perde sua sedução para assimilar razões científicas. Sinal dos tempos.

Vídeo: Blink - Num Piscar de Olhos
Direção: Michael Apted
Elenco: Madeleine Stowe, Aidan Quinn

Vídeo: Malícia
Direção: Harold Becker
Elenco: Nicole Kidman, Alec Baldwin
Lançamentos: Video Arte (tel. 011/575-6996)

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