São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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Por que somos uma subnação

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Destinado a sensibilizar os candidatos, o relatório divulgado ontem pela Anistia Internacional sobre o desrespeito aos direitos humanos no Brasil alerta para uma evidência que nunca deveríamos esquecer: somos uma subnação. Isso porque somos subcidadãos.
O texto reúne uma coleção de casos horripilantes, mostrando até onde vai a selvageria humana. Não é preciso cruzar o oceano Atlântico e ir à Bósnia: nossa produção local é fartíssima. Basta lembrar apenas um fato que serve como símbolo da insanidade e da violência.
Em 18 de junho de 1984, foram encontrados corpos de três crianças em frente a uma igreja no Rio. Os assassinos tiveram uma sórdida preocupação estética, aproveitando o cenário composto pela fachada da igreja: os corpos foram dispostos em forma de cruz.
Vamos ser justos: houve avanços no Brasil. A cada ano, mais pessoas se articulam para enfrentar a barbárie. São investigações feitas dentro e fora do governo, passando pelo Legistivo e pelo Judiciário. Obtiveram-se conquistas, mas a regra ainda é a impunidade.
O Brasil sofre, hoje, de um insólito desvio. Denúncias de corrupção conseguem sensibilizar muitíssimo mais do que o massacre diário contra os excluídos. A tortura e os maus-tratos prosseguem nas delegacias; as prisões se converteram em depósitos humanos; em certos Estados, o linchamento virou rotina; os grupos de extermímio ganharam status de polícia paralela.
Sempre de olho em temas que sensibilizem a opinião pública, os candidatos acabam por refletir e, assim, reforçar esse desvio. Raros são os candidatos a governador que colocam no topo de suas prioridades os direitos humanos. Isso porque boa parte da população supõe que direito humano de pobre é "direito de bandido".
O essencial é o seguinte: um governante terá feito muito pouco –ou quase nada– se, em seu mandato, não tirar o Brasil da categoria de subnação. Se não o fizer, teremos dado um subvoto de subcidadãos.

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