São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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O (e)leitor e a supereleição

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

A duas semanas da supereleição, a Folha ainda não encontrou espaço no caderno que leva esse nome para uma cobertura sistemática da disputa pelo governo do Estado. Os leitores começam a reclamar. Com razão: o governador de São Paulo controla o segundo orçamento da União e, no cenário político brasileiro, tem enorme poder. A troca deveria merecer muita, muitíssima atenção do jornal.
Há mais: a Folha tem como um de seus pontos fortes a cobertura política, e apoiada especialmente nela ganhou notável influência nacional nos últimos anos. Ainda assim, uma professora de São Paulo resumiu sua queixa num telefonema na tarde de quarta-feira: "Leio a Folha todos os dias, estou interessada nas eleições mas confesso que não sei dizer nem os nomes de todos os candidatos ao governo paulista. Suas propostas, então, tenho que ver no programa eleitoral da TV para saber quais são".
A Folha não está sozinha: também o jornal "O Estado de S.Paulo" vem dedicando pouquíssimo espaço de suas páginas à sucessão no Palácio dos Bandeirantes. Na Folha, desde o início dos programas de rádio e TV (em 2 de agosto) foram publicadas seis pesquisas eleitorais para a Presidência e apenas dois para o governo do Estado. Mesmo que Mário Covas (PSDB) apareça na mais recente delas com 48% das intenções de voto e alguma chance de encerrar a corrida já no primeiro turno, nem isso pode justificar a cobertura tão pobre.
Uma das explicações poderia ser exatamente essa -a de que a eleição está praticamente decidida em São Paulo. Mas, apenas para citar dois casos que conferi pessoalmente, no Ceará, onde Tasso Jereissati lidera a corrida, e em Pernambuco, onde Miguel Arraes é o favorito, os jornais locais continuam dedicando boa parte de seu noticiário político à sucessão estadual. Pode-se argumentar, ainda, que fazem isso por serem jornais regionais. Mas a Folha e o "Estado" são, até prova em contrário, "de S.Paulo". Têm, sim, envergadura nacional, mas não podem abandonar seus leitores "locais" numa eleição como esta (a rigor, nem a cobertura das sucessões em outros Estados merece atenção desses dois jornais).
Na sexta-feira, a Folha executou uma manobra industrial e tirou de dentro do primeiro caderno o Supereleição. Segundo a secretária de Redação Eleonora de Lucena, com quem conversei na noite do mesmo dia, o objetivo da mudança é garantir mais espaço (leia-se páginas) para a cobertura das eleições em sua reta final. Ela também afirma que o jornal está preocupado em acompanhar mais de perto a sucessão estadual, que ontem já ocupava uma página inteira (a Especial-4). O desafio, agora, é recuperar o tempo perdido e informar melhor o (e)leitor sobre a disputa aqui e em outros Estados. Faltam só duas semanas; vamos ver se a Folha consegue.
A disputa pelos cargos no Senado, na Câmara dos Deputados e assembléias estaduais também ganha pouca atenção dos jornais (estou falando de todos os jornais, incluindo "O Globo" e "Jornal do Brasil", que fazem uma extensa e informativa cobertura da disputa estadual no Rio). O (e)leitor tem que se virar com o que ouve e vê nos programas dos partidos, mas eles são telegráficos e nada confiáveis (ou você acha que um candidato vai se apresentar ao eleitor dizendo ser pouco honesto, afeito a falcatruas e amigo do alheio?).
Hoje, a Folha circula com um caderno especial, "De olho no voto", que traz um balanço da atuação dos candidatos à reeleição para a Câmara -quantas vezes faltaram, como votaram nas pautas mais polêmicas, que projetos apresentaram. É um bom começo. Temo, entretanto, que em duas semanas não seja possível fazer muito mais do que isso. O (e)leitor vai para a urna com um olho aberto, mas o outro continua fechado. E isso é ruim: o Congresso que vai sair dessa supereleição será responsável por conduzir as reformas necessárias para consertar um pouco do Brasil nos próximos anos.
A imprensa não presta muita atenção nisso. Depois, passa quatro anos se fartando de publicar denúncias contra senadores e deputados -denúncias que, na maioria das vezes, acabam em pizza. Melhor seria prevenir.

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