São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Ética, ratos, o roto e o rasgado

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

No domingo passado, critiquei aqui uma reportagem feita pela sucursal de Brasília da Folha, aquela que revelava uma suposta lista de doadores para a campanha de FHC encontrada no lixo do comitê eleitoral do candidato. Seis leitores haviam telefonado para dizer mais ou menos a mesma coisa sobre a reportagem: que ela invadia a privacidade do candidato. Dois chamaram os repórteres de "ratos". Na crítica da semana passada, destaquei uma informação retirada do próprio texto: os candidatos têm o direito de manter sigilo sobre o nome dos doadores para suas campanhas. Se suspeitar de irregularidades, o Tribunal Superior Eleitoral deve requisitar aos candidatos a lista desses nomes. Isso caracterizaria a invasão de privacidade que incomodou aos leitores e a mim.
A repórter Denise Madue¤o, de Brasília, respondeu às críticas. Reproduzo os trechos principais de sua carta enviada à ombudsman: "O fato de a legislação eleitoral permitir que os candidatos mantenham em sigilo os nomes dos financiadores de suas campanhas não significa que a informação não seja importante para o conhecimento do leitor (e eleitor). A história política do país mostra que os doadores de campanhas nem sempre contribuem de forma desinteressada. Vide o caso Collor. Saber quem deu dinheiro para o candidato favorito nas pesquisas é informação relevante para o leitor. Pode contribuir para a formação de seu voto. Portanto, estamos prestando um serviço ao leitor."
A repórter prossegue: "Não há porque recusar a classificação de "rato", utilizada no título da coluna da ombudsman, se este for o preço a pagar por buscar informações precisas e relevantes. Por fim, gostaria de lembrar a decisão da Justiça americana no caso da reclamação do Pentágono sobre a publicação de documentos sigilosos pelo jornal "The New York Times': ao governo cabe guardar seus documentos secretos e à imprensa cabe descobri-los."
Acho que já escrevi o suficiente sobre este caso no domingo passado. Mas diante das observações da repórter que assinou o texto é preciso acrescentar: sua resposta defende o duvidoso princípio de que, para informar o leitor, os fins justificam os meios. Concordo quando ela diz que as informações de sua reportagem são importantes para o leitor, e que à imprensa cabe descobrir notícias. Nem poderia ser diferente. O problema é como fazer isso de maneira irretocavelmente ética, para não nivelar o jornal com as irregularidades denunciadas. É fazer o roto falar do rasgado.

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