São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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A indexação financeira ainda continua

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Não perceber ou não admitir que o processo de estabilização é longo e se dá por etapas só pode ser explicado por uma obliteração de visão decorrente de paixões ideológicas." José Roberto Mendonça de Barros e Maria Cristina Mendonça de Barros, na Folha, em 18/07/94.
Vou aproveitar essa observação correta de meu colega de docência, José Roberto, e de minha ex-colega de faculdade, Maria Cristina, economistas do PSDB paulista, para levantar alguns problemas ainda não resolvidos pelo real.
A semana que passou foi marcada pela greve dos metalúrgicos do ABC, por reajuste de salários. O ministro da Fazenda declarou ser contra o reajuste concordado pelas montadoras, mesmo com a garantia de que não seria repassado aos preços, por que isso "atenta contra a lógica da desindexação do Plano Real".
A pergunta é que lógica é essa que desindexou os salários mas, paralelamente, ainda preserva a indexação das aplicações financeiras de curto prazo? Tem-se uma assimetria no tratamento de diferentes grupos de agentes econômicos; um estando protegido e o outro desprotegido.
Vamos ser claros. Para o plano de estabilização dar certo não basta acertar as contas fiscais; a desindexação de todos os segmentos da economia deve ser geral para que se possa retomar o controle da emissão de moeda. Mas isso está longe de ter sido garantido.
Acredito que os leitores desta coluna identificam que há tempos venho escrevendo que a instituição da moeda indexada agravou o problema inflacionário no Brasil. O erro em comum, partilhado pelos planos antiinflacionários, do Cruzado ao Collor, da "inflação do chuchu" do Simonsen ao não-plano de Marcílio, foi buscar combater (ou conviver) com a inflação mantendo a moeda indexada em paralelo à moeda corrente. E o resultado foi sempre o mesmo: a inflação voltou.
Vamos explicar o desafio. Em função da crise fiscal dos anos 80, o governo (federal e Estados) acumulou uma dívida pública de curto prazo a qual é refinanciada, em sua maior parte, a cada 28 dias.
Os problemas causados por este refinanciamento ansioso e precário são de duas ordens. Primeiro, há um problema de finanças públicas. Desde 1991, a taxa de juros real para esse refinanciamento tem sido absurdamente elevada. De acordo com dados do governo, no primeiro semestre de 94 os juros reais pagos pelo Tesouro Federal consumiram 12% do Orçamento federal (sem contar o que foi pago diretamente pelo Banco Central).
Alguém pode dizer que isso é pouco? Além disso, a partir de julho, zerada a inflação inercial, a conta correta é contabilizar os juros nominais desembolsados pelo Tesouro.
O problema de finanças públicas, apesar de significativo, não é o mais importante, pois, como possui muitos ativos, o governo pode pagar suas dívidas. Por esta razão, não se trata de um problema que sugerisse "calote". Nenhum analista sério jamais propôs calote; só economista que gosta de aparecer acena com esse fantasma para deturpar a discussão.
O segundo tipo de problema, no entanto, é o mais prejudicial. Refere-se às implicações sobre o (des)controle monetário e a armadilha de ter que manter a taxa de juros elevada.
Como o refinanciamento da dívida pública se faz em lotes que vencem quase todas as semanas, o mercado pode resgatar o tanto de títulos que desejar. Devido a essa mecânica e a outros compromissos implícitos entre o mercado e o Banco Central, que formam o que se denomina "regime monetário", não é possível hoje no Brasil um controle efetivo da emissão de moeda.
Assim, o crescimento do estoque de moeda fica dependendo dos planos dos agentes e de suas expectativas, e a inflação vai aos poucos ressurgindo porque a massa monetária pode crescer sem que isso se deva a déficit fiscal.
Há formas de resolver o problema sem ter que recorrer ao calote. Para superar o desafio do financiamento neurótico da dívida pública, pode-se usar a experiência de securitização, oferecendo títulos garantidos por ativos reais ou divisas. Isso pode ser feito de forma preanunciada, sem causar perdas aos aplicadores, definindo-se um período de conversão e um cardápio com opções diferentes.
Paralelamente, pode-se usar os fundos de amortização, tal como levantamos no estudo chamado "Fundar a Dívida", que publicamos em 1989 na revista "Planejamento e Políticas Públicas". Nesse estudo sugeri constituir um fundo de amortização para recomprar os títulos de curto prazo do governo e vender títulos de longo prazo, securitizados, lastreados em ações públicas e nas reservas externas. Tal tipo de discussão estava, então, totalmente esquecida no Brasil.
Agora, a idéia está em voga: a MP que criou o real criou também um Fundo de Amortização a ser gerido pelo BNDES de Pérsio Arida. E na "Gazeta Mercantil", de 12 de setembro, Celso Pinto relata que o Banespa está discutindo um plano de conversão de sua dívida de R$ 7 bilhões para com o BC em títulos securitizados.
Essas e outras alternativas (como converter dívida interna em externa) são variações em torno da idéia de "Fundar a Dívida"; isto é, usar os ativos do governo para reestruturar a dívida de curto prazo.
Mesmo sem receber os créditos de ter lançado a idéia no debate brasileiro, registramos que a sugestão está avançando. O que mostra que as boas idéias acabam encontrando seu espaço, não obstante algumas mesquinharias frequentes.
Fica feito o alerta de que não basta centrar o fogo na reforma fiscal e no equilíbrio orçamentário. Estabelecer um novo regime monetário é ainda um desafio em aberto. Faço votos de que a "obliteração de visão", referida na abertura, não aconteça após a eleição para os economistas do PSDB.

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