São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Um ataque ao desconstrutivismo

ITALO MORICONI
ESPECIAL PARA A FOLHA

No campo de batalha em que se transformou o estudo universitário de teoria da literatura nos Estados Unidos, permanece mais forte do que nunca a posição culturalmente reacionária e conservadora, auto-intitulada "humanista". Por um lado, ela é respaldada pelas melhores tradições artísticas e literárias daquele país. Por outro, fortalecida pelo discreto, mas decisivo, apoio da maioria dos departamentos de filosofia.
É bom lembrar que a teoria da literatura adquiriu seu atual prestígio nos EUA à medida que passava a colaborar e ao mesmo tempo competir no espaço de reflexão tradicionalmente ocupado pela filosofia. Nos anos 60 e 70, quem chamava os grandes intelectuais franceses para falar nos EUA eram os departamentos de literatura.
Os humanistas dizem que esse ideal encontra-se ameaçado pela avassaladora onda pós-estruturalista e neomarxista que hoje grassa nos campi americanos. É um debate quente, que tem levado estudantes e professores a verdadeiras guerras em torno dos currículos de humanidades, em algumas universidades americanas, desde o final dos anos 80.
Os autores deste "Re-Pensando a Teoria" inserem-se no debate com todas as fanfarras da cruzada santa. E o fazem cheios de ambição, propondo-se a demonstrar o que haveria de errado no que eles consideram ser as idéias-mestras sobre as quais se baseariam as diversas correntes teóricas radicais. Muita gente agruparia tais correntes sob o rótulo geral de "desconstrutivismo", mas Richard Freadman e Seumas Miller preferem classificá-las de "anti-humanismo construtivista". Pretendem assim enfatizar o elo entre as concepções pós-estruturalistas desconstrutivistas e sua origem numa espécie de visão de mundo estruturalista, daí o construtivismo.
Correto. Paradoxal? A tanto a sutileza dos autores não chega. Preferem o ataque frontal e maniqueísta à exploração teórica do jogo entre construção e desconstrução. Jogo no qual estão completamente enredados.
Os alvos maiores são Althusser e Derrida, atacados tanto diretamente quanto por interposta pessoa, através de críticas dirigidas a alguns de seus supostamente principais seguidores no universo acadêmico anglo-saxão.
Nessa linha, Freadman & Miller dedicam-se a analisar obras tanto de Terry Eagleton (autor de "A Ideologia da Estética", editora Jorge Zahar) quanto de uma obscura sra. Catherine Belsey (traduzida só em Portugal), em busca de "erros", "incorreções", "inadequações". Não é difícil desmontar o neomarxismo positivista de Eagleton e, pelo jeito, a sra. Belsey é ainda mais reducionista. Mas o que espanta mesmo é a incapacidade demonstrada por Freadman & Miller de fundamentarem suas próprias posições. Ao longo das intermináveis 300 páginas deste livro, eles apenas repetem "ad nauseam" alguns slogans banais.
"Re-Pensando a Teoria" prima por superficialidade, intolerância e ingenuidade. A intolerância fica evidente na avaliação negativa de um já clássico ensaio feminista de Gayatri Spivak sobre o "Prelúdio" de 1805 do poeta inglês Wordsworth –poema e ensaio ainda não disponíveis em português. Freadman & Miller só admitem a estética realista e por isso não estão preparados para entender teorias baseadas em outras estéticas –como é o caso do pós-estruturalismo, que se baseia no modernismo vanguardista e não no realismo.
A ingenuidade dos dois autores está em acreditar que sua abordagem das diferenças entre liberalismo humanista e radicalismo desconstrutivista situa-se na esfera do conhecimento, quando não passa de mera ideologia. Grave é constatar que, no caso, da mesma ingenuidade padeceu o conselho editorial universitário que julgou pertinente ou importante traduzir este livro.

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