São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Demografia é questão crucial para o mundo

PAUL SAMUELSON

A Conferência sobre População, no Cairo, veio e se foi. Apesar das discussões acaloradas entre os secularistas e os religiosos de pensamento antiquado, chegou-se finalmente a um meio-termo favorável a políticas e programas que visam desacelerar o índice mundial de crescimento populacional.
O aborto, evidentemente, foi o maior pomo de discórdia. A Igreja Católica, representada pelo Vaticano do papa João Paulo 2º, continua sendo contrária à contracepção visando o controle natalício, além de ser contrária ao aborto.
Mas insistir na oposição à contracepção em países avançados habitados por católicos –América do Norte, Itália, França e assim por diante– leva os católicos a abandonarem a estrutura católica apostólica romana. Assim, fora do mundo subdesenvolvido (onde, cada vez mais, se encontram os seguidores do Vaticano), a oposição ao }planejamento familiar se expressa em termos moderados.
A Mãe Igreja assume posição firme contra o aborto explícito. E, nesse ponto, juntam-se a ela os religiosos fundamentalistas, tanto os de fé protestante, antipapista, quanto os da ortodoxia islâmica.
Em termos de realpolitik, hoje em dia, o latido da Igreja é pior do que sua mordida. Embora boa parte das negociações no Cairo tenha consistido de discussões sobre a verborréia envolvendo o aborto, muito disso foi irrelevante.
E no final, optando por não ser excluída do diálogo, a Igreja contentou-se em discordar de determinados parágrafos da declaração final. Como ninguém é realmente favorável ao uso deliberado do aborto como método contraceptivo racional, todas as partes envolvidas puderam sair-se bem.
Numa edição recente do "The New York Times Book Review", o professor Amartya Sen, da Universidade de Harvard, utiliza seus conhecimentos filosóficos e econômicos para moderar a visão dos biólogos de que um cataclisma demográfico está prestes a nos atingir, a não ser que o mundo aja rapidamente. Concordo.
Permitam-me, porém, resumir as razões pelas quais a população continua sendo um problema crucial da atualidade.
Digressão: calcula-se que Warren Buffet, de Omaha, seja o cidadão mais rico dos EUA, por sua enorme habilidade de especulador/investidor. Comenta-se que seus bilhões de dólares, em lugar de passarem para seus filhos –já bastante ricos–, serão doados a uma fundação dedicada ao problema demográfico mundial.
Antes da Era de Newton e da Revolução Industrial, Robert Malthus acertou, em essência, ao insistir que os níveis salariais vagavam a esmo em torno da mera subsistência. Entre 1250 e 1700, pragas e frio fizeram a população aumentar e diminuir.
Depois disso chegaram as invenções técnicas schumpeterianas. Esse processo reduziu o índice de mortalidade pela primeira vez e levou a população européia a quadruplicar no prazo de um século, enquanto a população mundial dobrava entre 1815 e 1918.
Com uma defasagem, a maioria das sociedades desenvolvidas vive subsequentes quedas em seus índices de natalidade. Sem imigração, suas populações irão eventualmente cair. Foi isso que ocorreu primeiro na França, depois na Escandinávia e na maior parte da Europa e América do Norte.
Não é muito animador ouvir do professor Sen ou de qualquer outra fonte que algo desse tipo deverá acontecer, pouco a pouco, na maior parte do mundo.
Enquanto os cientistas se mantêm um pouco à frente da lei dos retornos decrescentes e os padrões de vida continuam a subir, o aumento transitório de números começará a cair, através de uma queda nos índices de natalidade, em direção a índices reduzidos de mortalidade. O que existe de problemático nisso?
Se a população mundial se estabilizar em, digamos, 10 bilhões de pessoas em lugar de 8 bilhões, a pressão dos Estados sobre as reservas de recursos globais insubstituíveis e não-renováveis tenderá a ser permanentemente maior.
E não existem garantias de que a reação criativa dos cientistas será sempre o bastante para contrabalançar esse ônus adicional.
Ademais, considere as regiões e as subclasses, em todas as nações, que demoram a reduzir a frequência relativa de aparecimento de famílias com muitos filhos. Por tudo isso, sou obrigado a dizer a Warren Buffet: "Parabéns! Você acertou em cheio".

Copyright Los Angeles Times Syndicate. Tradução de Clara Allain

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