São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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Como ser bairristas e antipatriotas?

MARCELO FROMER ; NANDO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma carta publicada na pág. 1-3 da Folha, na sexta-feira retrasada, trazia uma vociferante manifestação de oposição ao teor e ao conjunto das idéias dessa coluna.
Essa carta, proveniente do Rio de Janeiro, serve de tema para o artigo desta segunda.
É natural e salutar o fato de as pessoas não dividirem da mesma opinião. E mais, isso chega a ser necessário. Sim, necessário e podemos comprovar isso no próprio âmbito futebolístico. Vejam vocês se não concordam com esse ponto de vista.
Imaginemos uma pequena cidade. Obviamente, mesmo sendo a menor cidade possível brasileira, haveria de ter seus 11 camaradas dispostos a formar um time de futebol.
Pois bem, imaginemos esse simpático time treinando, ensaiando seus passes, seus cabeceios. Acabaria ajuntando ao seu redor uma meia dúzia de curiosos, que logo iria virar a sua futura e fanática torcida.
Suponhamos que logo o nosso time encontre sua plena forma física e técnica e canse dos treinamentos. Imediatamente começaria a procurar um adversário para testar e aplicar os conhecimentos adquiridos. Um adversário! Sim, mas aonde encontrar esse adversário ideal? Na cidade vizinha!
Sim, na cidade vizinha, igualmente singela e pacata, porém tão próxima e parecida que despertaria entre seus habitantes um sentimento de recíproca rivalidade. Lá estaria o seu perfeito adversário, um time igualmente preparado e com uma torcida igualmente fiel. Marcariam uma peleja para ver quem seria o melhor. Jogariam com igual afinco e disposição, mas nenhum dos dois conseguiria derrubar a muralha das defesas alheias. Findo o jogo, o placar seria 0 a 0.
Pois bem, continuando na nossa especulação imaginária, ouçamos uma entrevista hipotética de um fantasioso repórter com um representante de cada torcida. "Quem foi melhor?", logicamente questionaria o astuto jornalista. O jogo foi de um equilíbrio newtoniano, as mesmas chances para cada lado, os mesmos erros, as mesmas botinadas até. Mas cada um desses torcedores diria que o seu time fora o melhor. Absurdo? Não, lógico. Apenas diferentes opiniões.
Voltemos então ao tema e assunto do nosso artigo que é também o da carta. Não é a primeira vez que nós somos acusados de bairristas, mas dessa vez nos imputaram também o título de antipatriotas. Isso sim é o que chamaríamos de tonitruante novidade. Por um lado parece que defendemos por demais uma nesga específica do solo pátrio, por outro parece que não conseguimos em nossas argumentações incluí-la convenientemente dentro da geografia emocional da preferência de todos os leitores.
Somos simultaneamente classificados de bairristas e antipatriotas! Não deixam de ser contraditórias e desconfortáveis ambas as caracterizações. Mas a segunda metade dos adjetivos não nos desagrada totalmente. Afinal no patriotismo pode estar escondido uma grande falta de vontade própria, capaz de transformar uma multidão de diferentes num imenso rebanho de cordeirinhos xipófagos!

Marcelo Fromer e Nando Reis são músicos da banda Titãs

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