São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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Cantor é original mesmo sem querer

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

São exercícios de afinação as 13 práticas de auto-admiração do segundo disco do cantor paulistano Edson Cordeiro.
A habilidade com agudos e o exagerado ecletismo se fizeram notar no disco anterior. Atribuíram-se os defeitos à estréia. Um cantor novato cai na tentação do exibicionismo e no querer mostrar tudo em um disco.
Mas a desculpa vira vício no novo trabalho. Cordeiro mais uma vez embaralha o repertório e demonstra dotes nos gorjeios. Uma escolha subjetiva, como a que fez em relação ao repertório, não significa estilo pessoal. O disco é pessoal sem estilo pessoal.
Não quer dizer que um disco eclético não pudesse conter estilo. Mas Cordeiro se dá mal com a variedade. Os arranjos estão mais previsíveis do que no outro disco. Ponha-se Elba Ramalho no lugar e ninguém vai sentir diferença.
Entre "Babalú" e o rock de Raul Seixas há um abismo de variáveis. Se optasse por um ou outro se sairia melhor. Convence tanto como soprano exibido quanto na pele do roqueiro indigesto. Bastaria escolher.
Prefere, no entanto, ingressar em mais e mais searas. Cantando sambas lembra Ney Matogrosso carmen-mirandiano. O mesmo problema se aplica às baladas "Ouça a Canção" (Lulu Santos-Bernardo Vilhena) ou "Coming", de Jimmy Sommerville.
O registro de contratenor é simultaneamente o destaque e a perdição do cantor. Se ele se descuida, escorrega em Ney, cai no canto coral e bate na série de escalas de adestramento.
Em nome do modismo, Cordeiro resolveu gravar em overdub um pretenso canto gregoriano. Mas, sem saber, registrou um "organum" –peça polifônica do início da Ars Nova, movimento artístico surgido no meio eclesiástico que converteu cantochão homofônico (a uma voz) em polifônico (com várias linhas melódicas superpostas). Foi original sem querer.
O que importa aqui é menos a falta de conhecimento do que a pretensão de abranger o universo com a voz. Não é preciso ser escafandrista para entender a lição do eclético Santo Tomás de Aquino. Diz o filósofo: "Quanto maior a extensão, menor a profundidade".
Cordeiro precisa fazer um próximo disco menos extenso que denso, menos cantado que interpretado. Precisa amadurecer.

Disco: Edson Cordeiro
Produção: Fábio Fonseca
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 20,00 (O CD, em média)

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