São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 1994
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Os riscos do tédio

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO -Nos primórdios da conquista do espaço, Jô Soares fez o seguinte comentário: "O primeiro vôo à Lua foi uma das coisas mais emocionantes do mundo. O segundo foi uma das coisas mais chatas do mundo".
Pode-se aplicar a frase, sem retoques, à eleição deste ano. A primeira eleição presidencial direta, depois de 31 anos (em 89), foi empolgante. A segunda, este ano, é um tédio.
No caso, a culpa não é dos candidatos ou dos partidos. Trata-se de um fenômeno mais ou menos universal. Se fosse apenas nos países desenvolvidos, poder-se-ia atribuir o tédio à rotina. Mas idêntica apatia cercou, por exemplo, a eleição presidencial chilena do ano passado, também a segunda consecutiva depois do interregno autoritário que durou de 1973 a 1989.
Na Venezuela, no final do ano, a eleição só não foi mais chata porque havia no ar o temor a um golpe militar.
Pode-se tomar a apatia que cerca o pleito deste ano por dois ângulos. Um é de certa forma tranquilizador: ao passar a fazer parte da rotina institucional, a democracia torna-se mesmo uma coisa meio chata, que só comove os envolvidos diretamente (os candidatos e suas cortes).
Mas, a julgar pelo resto do mundo, pode se tratar de um fenômeno mais inquietante: a política está se transformando em uma atividade algo esotérica. Por ela só se interessa de fato uma confraria. Como os clubes de donos de carros antigos, os colecionadores de cachimbos ou chapéus.
Em países em que os problemas estão mais ou menos equacionados ou em que há meios de intervenção da sociedade que passam ao largo dos partidos, tudo bem. Nos países parlamentaristas, também. Afinal, o mandato não tem uma delimitação temporal definitiva. O primeiro-ministro pode ser trocado a qualquer momento, em caso de crise.
Aqui, no entanto, não ocorre nem uma coisa nem a outra. O fastio com a política tende a gerar ou o congelamento de um status quo inaceitável ou a abrir ainda mais as portas para aventureiros.

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