São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 1994
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Espetáculo da Concertgebouw teve atmosfera de "apartheid" na rua

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O melhor concerto da temporada internacional erudita da cidade de São Paulo foi fechado anteontem no Teatro Municipal para os convidados da Philips do Brasil.
O espetáculo ficou a cargo da Real Orquestra do Concertgebouw de Amsterdã, regida pelo italiano Riccardo Chailly. Como solista, o garoto do momento, o violinista russo Maxim Vengerov, 20.
Teve confirmação a tese segundo a qual o público (esta entidade heterogênea caracterizada por incluir vários estratos sociais que têm o direito de pagar por um concerto) pouco importa para a materialização da obra de arte.
A Concertgebouw foi uma orquestra perfeita e emocionalmente exaltada. Grava o alto repertório para o selo Philips e merece figurar nas listas imaginárias das "melhores orquestras do mundo".
Chailly forneceu uma carga expressiva que o grupo não tinha quando veio ao Brasil em 1985 (tocou no Anhembi, sob regência de Bernard Haitink).
O espetáculo começou em clima de "apartheid", na rua. Diante do Municipal, um grupo de cerca de 300 pessoas apupava, vaiava e insultava os convidados que desciam de seus carros importados para assistir ao show com direito a manobrista, Beaujolais, bufê e CD.
Está certo, a orquestra tocou domingo no Ibirapuera. Mas o repertório era vulgar.
O Municipal tinha lugares vazios (por que não ocupá-los com estudantes?), que não prejudicaram o resultado e o calor do público. Este desligou os celulares e aplaudiu nos momentos certos.
Chailly deu início à noite com os hinos nacionais do Brasil e da Holanda. O Hino Nacional ganhou ares de "Cavaleria Ligeira", de Von Suppé. Uma cavatina patriótica, com o público acompanhando mudo, em posição de sentido.
A abertura "Egmont", de Beethoven, mostrou a que veio a orquestra: impacto sonoro poderoso, equilíbrio dos naipes.
Vengerov dominou a cena no "Concerto Op. 64", de Mendelssohn. Exibiu delicadeza na arcada e uma agilidade de mosquito na mão esquerda. Produziu agudos incorpóreos e fez esquecer os obstáculos do instrumento. Bisou com duas peças fáceis de Kreisler.
O ponto alto aconteceu com a "Sinfonia nº4", de Brahms. A Concertgebouw explicitou o conteúdo camerístico, os concertos e quartetos ocultos na partitura.
Duas homenagens à música popular no final: uma rapsódia húngara de Brahms e a abertura de "La Gazza Ladra", de Rossini.
Na saída, enquanto os manobristas faziam sua coreografia black-tie, já não se ouviam manifestantes.

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