São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 1994 |
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'M. Butterfly' encena metamorfose da alma
CÁSSIO STARLING CARLOS
Ambiguidade, aliás, que sempre foi a tônica do trabalho do diretor canadense. Todos os seus personagens são repentinamente confrontados à tragédia criadas pela dissolução do significado constante, ordenado, em suas vidas. Sujeitos a mutações, metamorfoses, seus personagens dialogam com a alteridade sob uma perspectiva estranha, internalizada, ao ponto de não mais conseguirem se diferenciar dessa "outra coisa", como o homem-videocassete de "Videodrome" e o cientista-inseto de "A Mosca". Desde "Gêmeos - Mórbida Semelhança" (leia texto ao lado) essa dubiedade vem sendo normalizada. No lugar das criaturas monstruosas, puras metamorfoses ficcionais, modalidades humanizadas de transformação vêm ocupando o centro de suas histórias. A droga e suas alucinações psíquicas –portanto, humanas– serviam de veículo para a iniciação trágica tanto em "Gêmeos" quanto em "Mistérios e Paixões", versão do clássico junkie de William Burroughs, "Almoço Nu". A nova fórmula assimila integralmente seu teor humano em "M. Butterfly". René Gallimard (Jeremy Irons), diplomata francês em Pequim nos anos 60, apaixona-se por uma cantora de ópera, Song Liling (John Lone), após vê-la encarnando a submissa e sofredora madame Butterfly de Puccini. Song aproveita a situação para obter do amante segredos militares para o regime comunista chinês. A imagem do feminino e suas dubiedades é o centro desta nova incursão de Cronenberg no reino das metamorfoses. Tudo gira em torno da paixão de um homem por um fantasma criado a partir de seu desejo. A paixão é apresentada aqui como elemento alucinatório mais potente que todas as drogas de Burroughs. A letra M do título, por sua vez, guarda variáveis em torno do tema da ambiguidade. Se M é a inicial da palavra francesa "madame" (senhora), também pode ser a inicial de "monsieur" (senhor). A ritualização, a encenação, aparece como o princípio que rege a mutação de Gallimard. Song não é uma mulher, ela representa, encena uma imagem de mulher que corresponde ao ideal de Gallimard. Quando a farsa se revela é a vez de o "monsieur" se converter em "madame". A estrutura do filme reflete este princípio ao oferecer imagens de um classicismo sufocante, elaboradas para atrair o espectador para a armadilha trágica do final. Se Cronenberg escorrega ao tentar oferecer um pano de fundo político para seu drama –tentativa, talvez, de exercitar um realismo– não foi desta vez que invalidou sua capacidade de permanecer fiel a si mesmo. Filme: M. Butterfly Produção: EUA, 1993 Direção: David Cronenberg Elenco: Jeremy Irons, John Lone Lançamento: Warner Home Video (011/ Distribuição Texto Anterior: Festival começa hoje em Belo Horizonte Próximo Texto: Globo exibe 'Gêmeos' hoje Índice |
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