São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 1994
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O ovo de Bacha

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Tudo é fácil para os simples. Quando Cristóvão Colombo desafiou os sábios de seu tempo a botarem o ovo em pé, sabia que estava lidando com homens complicados. Quebrou o ovo e resolveu o problema.
Pensei nisso quando li que o sr. Bacha tem um projeto de Constituição para o Brasil. Ele cultiva o neologismo como, no tempo de Emílio de Menezes e da confeitaria Colombo, se cultivava o trocadilho. Fala em desconstitucionalizar a sociedade, deixar na Carta Magna os preceitos irreais como aquele "todos são iguais perante a lei" ou aquele genérico e mais irreal ainda: "todo o poder emana do povo".
No que interessa, o sr. Bacha pretende mexer na previdência, na tributação, na Justiça do Trabalho (vale dizer, no próprio mercado), no regime das privatizações, na estabilidade do emprego –e mais mexeria se não fora, para tão longa desconstituição, tão curta a própria Constituição.
Será fácil botar o ovo em pé. Não havendo cidadão, não haverá necessidade de cidadania, nem de Constituição que lhe garanta direitos e estabeleça deveres. Quebrando-se o ovo, não haverá ovo.
Já foi dito que a pior herança do regime militar de 64 não foi a repressão e a tortura –que acabaram no devido tempo. O legado mais nocivo, a lepra hereditária transmitida à sociedade foi o predomínio dos economistas e tecnocratas nas decisões de governo. Os políticos foram afastados; afinal, como foi dito e proclamado durante o regime totalitário, todos os políticos são corruptos, despreparados, analfabetos, o diabo. Bom mesmo é o tecnocrata, o economista que soma dois e dois e afirma que o resultado "é alguma coisa entre três e cinco'.
Tanta sabedoria e tamanha habilidade em quebrar o ovo, desde que ele fique em pé, já nos deram diversos planos. Uns piores do que outros, mas todos com o mesmo entusiasmo em acabar com a tosse do Brasil cortando o pescoço do brasileiro.

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