São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Não importa que se importe

RICARDO SEMLER

A gritaria era esperada. Claro, não dá para abaixar alíquota de importação sem que os empresários lembrem a origem materna do ministro da Fazenda de plantão. Comenda-se, sem cerimônia, o Collor por sua iniciativa de abrir o Brasil S/A para o mundo, mas não era pra ser com tanto andor, né? Tudo isto esconde outra questão, mais estrutural.
O empresário brasileiro foi protegido do mundo malvado da competição por muitas décadas, mormente por sua capacidade de eleger governantes que pagavam estas dívidas através de subsídios e proteção alfandegária.
Agora, teria chegado a hora de esgrimar produtos com o primeiro mundo? Não teriam as justificativas de protecionismo, tão eloquentes, mostrado que o empresário estaria pronto, via paternalismo, a enfrentar o mundo de adultos?
Mas a hora, tão adiada, chegou. Não importa que o Ministério da Fazenda use tarifa como ameaça, torniquete ou chantagem econo-emocional. Não tenho ilusões dos efeitos disto, e não sou a favor do uso de alíquotas como medidas temporárias.
Estou dizendo outra coisa: o Brasil está encaminhado para uma desnacionalização, ocorra o que ocorrer. Primeiro, porque o empresário nacional, com raras e honrosas exceções (algumas centenas de casos) não aproveitou estas últimas décadas para se preparar para concorrer.
Tanto porque achava que o poder continuaria em mãos das elites financeiras, quanto por crer que a abertura, quando e se viesse, seria feita de forma suave e gostosinha. Segundo, porque o mundo ficou mais malvado, complexo e tentacular do que antes, fazendo com que poucos no planeta sobrevivam sem parcerias de fôlego.
Correndo o risco de me repetir, é só lembrar que as mil maiores empresas nacionais não equivalem a uma só grande empresa do Japão. O que prova que a maior parte deste tempo de proteção foi desperdiçada, gerando no máximo alguns milhares de fortunas pessoais.
E não é por menos que os gringos estão assanhados. A América Latina passa, novamente, a ser alvo de investimentos nos próximos anos, e os barrados no baile voltam a tentar as porteiras. Crescerá assustadoramente o número de empresas brasileiras à venda ou abertas a participações estrangeiras importantes.
Não é necessariamente ruim, mas significa o fracasso final das políticas da ditadura e de todos os seus ministros da Fazenda, que passam para o história como defensores dos fortes e desoprimidos numa republiqueta de banana.
Não precisa ficar com cara de análise marxista, a desnacionalização como sinônimo de imperialismo econômico. É apenas a acomodação de um fracasso de política de terceiro mundo.
Sobrarão razões para os estrangeiros quererem sócios locais, já que diferenças culturais e regionais sempre assustaram grandes corporações. E nisto estará um grande papel para empresários brasileiros. Mas não iremos exportar multinacionais brasileiras e nem criar organizações com poderio internacional.
É um papel pequeno mas digno que nos sobra. A cada ano, a lista das maiores e melhores empresas excluirá cada vez mais as empresas de capital apenas local. É um destino a ser aceito com resignação – que nossas vocações naturais, turismo incluso, tomem o lugar desta festa particular que começa, na madrugada obtusa, a chegar ao seu devido fim.

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