São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Os números que espantam

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Pelo interesse que despertou nos leitores da Folha, o caderno "Olho no Voto", que circulou na edição do domingo passado, mostra que o jornal poderia (melhor dizendo, deveria) ter investido mais tempo, espaço e esforço na supereleição. Não que a cobertura da Folha seja pequena –dados do Datafolha, também publicados no domingo passado, mostram que ela é o jornal que mais páginas dedica à sucessão presidencial. O problema é exatamente esse: para a Folha (toda a imprensa, eu diria), a eleição de 3 de outubro quase que se resume a uma disputa entre Lula e FHC. Mas, para o leitor, vai muito além disso.
Durante a semana, recebi várias cartas e telefonemas sobre o caderno "Olho no Voto", ou ainda com comentários sobre a (falta de) cobertura da Folha para a disputa no Senado, na Câmara dos Deputados e assembléias estaduais. A publicação do caderno certamente estimulou os leitores a pensar nesse assunto, e a criticar o jornal. De modo geral, eles se sentem mal informados sobre os candidatos que concorrem a uma vaga no Congresso e nas assembléias, e concordam em um ponto: do jeito como é, o horário eleitoral no rádio e na TV não ajuda em nada. Quem não tem candidato, não é nesses programas que vai arrumar.
Também de modo geral, os leitores contam com a ajuda do jornal para decidir seu voto em 3 de outubro. Mas o jornal se ocupou pouquíssimo dessa tarefa. Durante algumas semanas, apresentou candidatos numa seção de seu caderno Supereleição, a "Opção de Voto". Na crítica interna, sugeri que o leitor pudesse ao menos conhecer os critérios de escolha dos nomes que apareciam ali; oficialmente, o jornal respondeu dizendo que os critérios não seriam informados para evitar que outros candidatos, argumentando caber neles, requisitassem o espaço na Folha. De qualquer forma, a seção já deixou de ser publicada, e o leitor nunca pôde saber por que foi que alguns ganharam aquele palanque excepcionalmente visível, e outros não.
Voltando ao "Olho no Voto": os leitores que elogiaram o caderno viram nele uma possibilidade de orientar sua escolha. Mas é bom que fique claro: o caderno se ocupou apenas de avaliar o desempenho de candidatos que disputam a reeleição, e apenas para a Câmara. Como o jornal não pretende repetir a dose sequer com os candidatos à assembléia paulista ou ao Senado, não há como não dizer que a Folha fez um bom trabalho –mas pela metade. Os leitores reclamaram disso.
Ocorre ainda que o "Olho no Voto" avaliou o desempenho dos deputados federais que tentam a reeleição usando alguns critérios no mínimo discutíveis. Como se desconhecesse que a atuação parlamentar extrapola as quatro paredes do Congresso, a Folha publicou, por exemplo, a lista de faltas (os dados são oficiais; quanto a isso, não há o que discutir). Mas o jornal colocou no mesmo embrulho as faltas justificáveis (quando o deputado se ausenta da Câmara a trabalho, por exemplo), as faltas políticas (quando ele deixa o plenário para obstruir a votação de uma matéria) e a gazeta pura e simples. Com isso, despolitizou a avaliação.
Para mostrar ao (e)leitor como cada deputado votou em assuntos considerados importantes, o jornal escolheu onze temas (do impeachment de Collor à obrigatoriedade do voto nas eleições). Mas na hora de resumi-los para o leitor, foi de uma superficialidade que pode ter comprometido a compreensão do que se passou nessas votações. Um exemplo: em sete linhas, a Folha explicou o projeto de aumento de salários para os deputados votado (e aprovado) em dezembro de 1991. Mas não informou de quanto era o salário antes da votação, nem quanto de inflação o novo salário estava repondo sobre o antigo.
Num outro exemplo, o jornal usou 25 linhas para explicar o projeto que aumentava o salário mínimo para US$ 100 até 1995, rejeitado em agosto do ano passado. Nas páginas dos jornais, o debate em torno dele consumiu semanas, e muito mais papel. Em sã consciência, ninguém pode ser contrário a um mínimo de US$ 100. O problema é como chegar a ele sem levar à falência prefeituras, pequenas empresas e o sistema de previdência social. Temo que isso não tenha ficado claro no caderno "Olho no Voto", e que a constatação de que determinados deputados votaram contra o projeto tenha também lhes custado alguns votos de (e)leitores irados.
Enfim, como disse um leitor em seu telefonema, é indesculpável que um jornal que consegue produzir excelentes cadernos especiais em megaeventos como a Copa dos EUA (ele falava do Copa 94) não dê conta de preencher alguns vácuos da supereleição, ela também um megaevento (que, sobre a Copa, ainda tem a vantagem de acontecer aqui mesmo). É verdade que se esperava mais desta corrida pelo voto, e o fato de que sua etapa mais atraente, a disputa presidencial, foi praticamente decidida nas pesquisas de intenção de voto transformou toda a cobertura numa chatice.
Nos últimos dias, num esforço para esquentar sua pauta e antecipar o noticiário para seu público, toda a imprensa (com a Folha na frente, diga-se), passou a se ocupar dos planos do futuro governo FHC. Mas é assustador perceber como (quase) todos esses planos dependem do Congresso, e que a uma semana das eleições os (e)leitores continuam reclamando da desinformação a respeito do que pode vir a ser esse mesmo Congresso. Para a próxima eleição, a imprensa já tem uma tarefa complicada e necessária: tem que aprender a preencher o vácuo entre o que ela noticia e o que os candidatos dizem de si mesmo nos programas eleitorais. Caso contrário, vai continuar contribuindo para a manutenção daqueles números com os quais ela mesma se espanta: uma pesquisa Datafolha (publicada também no "Olho no Voto") mostrou que 54% das pessoas sequer se lembram do nome do deputado em que votaram em 1990.

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