São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Programa da revolução democrática

MARCO AURÉLIO GARCIA

Comecemos pelo método de elaboração. O programa de governo Lula-94 não se fez em uma madrugada, em Washington, nem em um domingo à tarde em São Paulo. Foram 14 meses do trabalho de dezenas de grupos, centenas de intelectuais, técnicos, funcionários públicos, sindicalistas, parlamentares, empresários, dirigentes de movimentos sociais. Ele foi discutido, modificado e enriquecido em milhares de debates, a maioria durante os 40 mil quilômetros percorridos por Lula nas Caravanas da Cidadania.
O programa vê a crise nacional como expressão do esgotamento de um ciclo de desenvolvimento que levou o Brasil a partir dos anos 30 à condição de uma das maiores economias do mundo.
De crescimento acelerado –o maior que um país experimentou entre 1880 e 1980– o desenvolvimento brasileiro tem marcas perversas, sobretudo a concentração de renda e de poder. Chegamos a este fim de século com mais de 60 milhões de brasileiros excluídos do consumo, da produção e da cidadania.
Este quadro estrutural agravou-se nos 15 últimos anos com a perda de dinamismo da economia que levou a uma recessão intermitente, combinada com inflação crônica. Os capitais estrangeiros que o país necessita só virão se o governo for credível e o país oferecer –pela extensão de seu mercado e pela dinamização do comércio exterior– vantagens competitivas que nos são específicas.
A fragilidade da democracia econômica e social constitui-se em ameaça à construção de uma democracia política a partir dos anos 80. O mundo passou por radicais transformações econômicas e políticas nas duas últimas décadas, que tornam mais complexa a inserção internacional do Brasil.
O programa de Lula responde aos três grandes desafios do Brasil de hoje: questões social, nacional e democrática.
Incluir os excluídos é o primeiro desafio. Um novo modelo econômico é centrado na constituição de um grande mercado de bens de consumo de massas. Comida, roupa e calçado, habitação e saneamento, transporte, saúde e, sobretudo, educação, aí estão os itens da modernidade que desejamos para o país. Superando as velhas receitas do "primeiro cresce e depois distribuir" ou um distributivismo irresponsável. O programa Lula propõe a fórmula de crescer distribuindo e distribuir crescendo.
Este novo modelo exige igualmente novos padrões de financiamento, o que supõe o combate estrutural –e não apenas eleitoreiro– da inflação. É preciso uma reforma radical do Estado, incluindo as reformas fiscal, tributária e previdenciária. Regras claras e estáveis para a atividade econômica –negociadas democraticamente entre trabalhadores e empresários, como se fez nas Câmaras Setoriais– darão ao governo a credibilidade para enfrentar o problema da dívida interna, redirecionando investimentos do setor especulativo para o produtivo. A expansão da demanda será estimulada por uma política de redução da taxa de juros e por créditos e investimentos beneficiando pequenas, micro e médias empresas que criam empregos e impulsionam economia.
Um governo de reformas terá de enfrentar inimigos, sem o que ficará na mesmice. Além do apetite do setor financeiro, terá de controlar monopólios e oligopólios, negociar soberanamente nossa dívida externa. Sem isso, fracassará qualquer política antiinflacionária.
Este novo modelo exige reformas sociais, além daquela do Estado. Em primeiro lugar a reforma agrária, permitindo assentar 800 mil famílias em 4 anos e fazendo-a acompanhar de uma ativa política agrícola que beneficie sobretudo pequenos e médios empresários. Sem isso não se vencerá a fome.
É fundamental igualmente uma política de empregos e de salários. A criação de 8 milhões de empregos e a duplicação do salário mínimo, buscando sucessivamente chegar aos índices do Dieese, para enfrentar a pobreza e a exclusão, são pontos de partida de um círculo virtuoso na economia. A expansão da demanda estimula os investimentos e a produtividade, ativa todos os outros setores da economia, cria um sistema produtivo de escala e, com isso, permite uma inserção internacional competitiva. A questão social não fica subordinada a filsiológicas e ineficientes políticas compensatórias e a questão nacional tem como ponto de partida a estruturação de uma nova economia, rearticulando a nação.
Causa e consequência deste programa é o fortalecimento da democracia: universalização da cidadania, participação popular e reforço do Estado democrático de direito. Estas são as bases da revolução democrática que se iniciará em 1995.

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