São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Propostas estão longe da polêmica atual

ANTÔNIO BARROS DE CASTRO

A leitura das propostas de política industrial que constam dos programas de quatro candidatos (Fernando Henrique, Lula, Quércia e Brizola) deixa algumas fortes impressões... e alimenta dúvidas.
Nenhum programa menciona a substituição de importações, a implantação de novos setores, a criação de novas empresas públicas, ou a proteção generalizada da indústria (tipo lei do similar). Fica assim claro que tudo aquilo que mais caracterizava a experiência industrial brasileira até 1980, constitui hoje uma página virada da história.
Três dos quatro programas (excetuando-se o de Brizola), denotam uma grande preocupação com a capacitação do Estado para participar no esforço de assimilação e domínio das tecnologias que integram a chamada Terceira Revolução Industrial. Os mesmos três realçam a necessidade de revisão das condições de obtenção de crédito de longo prazo na economia. Além disto, o reforço e o enobrecimento ("upgrading") das exportações merece destaque em cada um destes programas. Diferencia-os, sobretudo, no que toca a FHC, uma certa busca de continuidade em relação à atual administração; no que se refere ao programa de Lula, a preocupação com o "ajustamento extremamente negativo para o emprego" até agora verificado; e no que toca ao programa de Quércia, a setorialização, tipicamente desenvolvimentista, dos objetivos de política industrial.
Mas além dos denominadores comuns e das divergências (a bem dizer plenamente esperadas), o que talvez mais chame a atenção nos programas é a distância entre as proposições de política industrial dos candidatos e os fatos e polêmicas que, neste momento, agitam o país. Senão vejamos.
Todas as propostas omitem o fato de que o governo brasileiro se encontra –e permanecerá durante alguns anos– engajado numa luta ferrenha contra a inflação. Encontra-se aqui refletido um velho problema: os profissionais voltados para a indústria ignoram os problemas de estabilização... e recebem como troco a mais solene omissão de suas preocupações, por parte dos profissionais da estabilização. No caso em foco, herdeiros de um embaraçoso (e tentador) volume de reservas, dificilmente os gestores do atual plano de estabilização deixariam de apelar para o aumento da demanda das importações, para responder à ampliação da demanda interna e deter a valorização da moeda local. Afinal, estamos diante de um plano pouco equipado no que toca ao controle da demanda, e hiperdotado quanto à capacidade de promover a ampliação das importações. Recorde-se, a propósito, que os mercados mexicano e argentino foram afogados em importações, após a decretação de seus planos de estabilização. Naqueles países, porém, políticas industriais não eram sequer cogitadas... No nosso caso, uma percepção mais clara do que significa estabilizar uma economia sujeita a alta inflação crônica permitiria talvez antecipar o provável recurso a importações, a ser previamente discutido e submetido a diretrizes.
A outra grande omissão consiste em que, dos quatro programas, apenas um (o de Fernando Henrique) menciona o Mercosul. Isto me parece grave e as notícias permitem aflorar a esse respeito, as seguintes questões.
O governo está promovendo um substancial rebaixamento tarifário que, no fundamental, antecipa para agora a Tarifa Externa Comum do Mercosul. O acerto da medida vem sendo questionado, tanto no que se refere à antecipação, quanto no referente às novas alíquotas. Limito-me aqui a assinalar duas importantes e delicadas indagações, suscitadas pelo episódio.
O governo prevê a constituição de uma comissão interministerial para contemplar problemas criados pela decisão. Ora, como prontamente advertiu o sr. Alieto Guadagni, Embaixador da Argentina, ("Gazeta Mercantil", 14 de setembro), daqui a menos de quatro meses, com a entrada em vigor da União Aduaneira, o Brasil não poderá mais alterar unilateralmente as suas tarifas. Consequentemente, a tal comissão, que foi referida como possivelmente "permanente", já nasce com seus supostos poderes seriamente comprometidos. O problema parece ser, no entanto, muito maior. Documentos recentemente assinados pelo Brasil demonstram que até mesmo a "criação ou concessão de qualquer novo incentivo às exportações" fica a partir de 1º de janeiro de 95, submetida à consulta e concordância dos demais Estados-partes. Advirta-se, a propósito, que as decisões do grupo de Mercado Comum devem ser tomadas "por consenso e com a presença de todos os Estados-partes".
Será este o momento adequado a que se abra mão do poder decisório, no referente aquilo que vai pautar o novo ciclo de crescimento por tantos antecipado? Será que faz sentido submeter decisões destinadas a afetar o nosso futuro (e corrigir o nosso passado) à concordância dos demais parceiros do Mercosul? Refiro-me especialmente a iniciativas no plano industrial –que na federação brasileira começam a provir igualmente de Estados e municípios... Quando mais não seja, isto parece contrariar frontalmente o espírito das propostas que estarão sendo brevemente votadas pelos brasileiros.
Há, por fim, que aflorar uma última e maior questão. O Leste Asiático emerge hoje como um novo eixo econômico mundial –que vai impondo a empresas e economias, no campo industrial, muito particularmente, redefinições comportamentais de toda ordem. Neste exato momento, o Brasil –um país que ainda não perdeu a possibilidade de converter-se em economia industrializada– decide "harmonizar" as suas –aí incluída a política industrial– com as políticas do Paraguai, do Uruguai e da Argentina. Permito-me pensar que isto não interessa sequer a estes três países. É de todo interesse para eles que a economia brasileira reencontre o caminho de um crescimento vigoroso e sustentado. Dificilmente isto seria obtido adaptando as suas instituições a médias tiradas em conjunto com Paraguai, Uruguai e Argentina.

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