São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Partidos separam proteção e crescimento

ROBERTO KISHINAMI

Crises ambientais não constituem fenômeno inédito na história da humanidade. Povos ou civilizações inteiras já sofreram no passado, remoto ou recente, tragédias coletivas provocadas pela fome, epidemias, secas, enchentes, pragas de insetos e outros desastres "naturais", muitas vezes resultantes do uso inadequado dos recursos: caça e pesca predatórias, manejo inadequado do solo agricultável, práticas industriais ou semi-industriais destrutivas ou não-sustentáveis etc.
O que há de novo na crise ambiental da atualidade é o seu caráter global: o seu alcance geográfico, biológico, social e econômico. No passado, habitantes de uma Ilha de Páscoa puderam se autodizimar pela destruição dos recursos naturais da ilha, sem, contudo, afetar o restante do planeta. Hoje, a destruição da camada de ozônio, a extinção de espécies ou ecossistemas inteiros, as mudanças climáticas devido ao contínuo aumento das emissões de gases estufa, a proliferação de instalações nucleares e outras ameaças globais, não nos permitem circunscrever a crise ambiental a uma parte do planeta ou das nossas sociedades. Todos, pobres ou ricos, já somos vítimas dessas crises.
Esta globalidade já faz parte do que se pode chamar relações internacionais. A ONU (Organização das Nações Unidas) tem conduzido negociações entre países para a proteção do meio ambiente global. Destas negociações já resultaram as convenções de proteção do clima, da biodiversidade e da camada de ozônio, além de inúmeros outros acordos setoriais, como transporte marítimo, comércio de resíduos tóxicos etc. Nestas negociações, organizações não-governamentais como a Greenpeace, de atuação internacional, têm um papel importante reconhecido até pelos governos mais refratários aos acordos. A Greenpeace e outras entidades têm pressionado os governos para que façam acordos eficazes e preventivos, para que as decisões sejam sempre pró-meio ambiente.
Os governos nacionais, por sua vez, são os representantes dos diferentes povos no estabelecimento dos acordos de proteção do ecossistema planetário. O Brasil é importante neste cenário, não só porque sediou reuniões internacionais (como a Rio 92), mas também porque contém ecossistemas de influência planetária como o Pantanal e a Amazônia. Neste contexto, os programas dos candidatos às próximas eleições presidenciais podem ser avaliados pelo quanto incorporam a proteção do meio ambiente. Esta proteção significa, hoje, propor e induzir mudanças em praticamente todos os setores da vida social, para um futuro em que a vida humana seja sustentável: energias renováveis, produção industrial limpa, manejo sustentável dos recursos naturais, uso responsável do ar, da água e do solo.
Infelizmente, os programas presidenciais ainda não refletem uma consciência atualizada e clara da urgência e do significado da proteção do meio ambiente. Tanto em programas extensos como o do PT de Lula, como em programas mais expeditos como o de Fernando Henrique Cardoso, para citar apenas os mais cotados no momento, é visível a separação entre o que se considera plataforma ambiental (onde se enfatiza a criação de áreas de preservação ou de programas de recuperação de áreas degradadas) e a plataforma "desenvolvimentista", onde são apresentados os projetos de construção de estradas, ferrovias, hidrovias, centrais elétricas etc. Num país com as dimensões do Brasil, não há dúvidas de que obras serão necessárias. A questão a ser resolvida é para que finalidade comprometeremos recursos em empreendimentos que sempre significarão um dano ambiental.
Existe algum avanço com relação às últimas eleições presidenciais, mas os partidos e seus candidatos para a próxima eleição ainda não entenderam que a proteção ambiental é não só uma necessidade. É, principalmente, uma oportunidade para criar mais empregos, redirecionar a economia para modelos mais viáveis e estáveis, melhorar a qualidade de vida das populações presentes, contribuir para a proteção do meio ambiente global e, em decorrência, garantir um futuro para as novas gerações.
Para exemplificar o que significa esta oportunidade, basta examinar a conservação ou economia de energia. O governo e as indústrias já sabem que o desperdício nacional está próximo de 30%. A resposta tradicional dos empresários e governo para a necessidade futura de eletricidade tem sido a construção de mais centrais hidrelétricas ou movidas a carvão, gás, petróleo ou nuclear. A resposta ambientalista para o problema da demanda crescente de energia é outra: a fonte mais barata, segura e limpa de energia está na sua economia ou conservação, e nas renováveis (solar, vento etc). Estas são as alternativas que, de imediato, geram crescimento econômico, criam empregos permanentes, melhoram a qualidade de vida e permitem preservar o meio ambiente. Por que então essas alternativas não são implantadas? Com a palavra, os candidatos.

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