São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Transmitir vírus da Aids dá até 30 anos de reclusão

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O portador de vírus da Aids (HIV) que deliberadamente contagiar alguém pode ser punido por tentativa de homicídio e passar de 8 a 20 anos na prisão. Se a pessoa contagiada morrer, a pena fica entre 12 e 30 anos de reclusão.
A conceituação do contágio deliberado de Aids vem sendo discutida pelos nossos criminalistas há mais de uma década. Agora, a questão saiu do campo meramente doutrinário e chegou à Justiça.
Em agosto, o juiz José Antônio de Paula Santos Neto, da 2ª Vara do Júri de São Paulo, concluiu que Celso Donizete Ferreira dos Santos, o "Fumaça", cometeu tentativa de homicídio ao espetar um menino de 12 anos com uma seringa infectada com seu próprio sangue.
O caso deverá ser analisado até o final do ano por um júri popular, que dará o veredito. Essa decisão poderá ainda ser objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça.
O "Fumaça" –que sabia ser portador do vírus da Aids desde 1991– foi acusado por dois delitos, ambos comprovados no processo: atentado violento ao pudor e tentativa de homicídio.
Em janeiro do ano passado, levou Sílvia dos Santos, sob ameaça, a um terreno baldio onde a beijou, agarrando-a violentamente. Não consumou o ato sexual.
O laudo pericial constatou marcas de violência no corpo de Sílvia. Para o juiz, "agiu por motivo torpe, pretendendo estender sua desgraça à vítima".
Três meses depois, munido de uma seringa com seu sangue, espetou a coxa de um menino na porta da escola. A perícia provou a existência de perfuração por agulha na perna da criança. Os testes de Aids realizados no garoto, no entanto, deram negativo.
Segundo o juiz, "Fumaça"praticou crime intencional contra a vida do menino, ao feri-lo com o objetivo de matá-lo pela transmissão do vírus letal.
"Trata-se de crime doloso (intencional) contra a vida, por ser a Aids uma doença incurável e mortal", diz o magistrado.
"O juiz pronunciou-se corretamente", afirma o ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o ministro, ficando clara a intenção de matar pela transmissão do vírus fatal, trata-se de homicídio. O caso de "Fumaça" enquadra-se como tentativa de homicídio porque não ocorreu a morte da vítima.
Há também aquele que sabe ser soropositivo e transmite a doença irresponsavelmente. Neste caso, as opiniões divergem quanto ao enquadramento do delito.
Uma corrente diz que o problema se aproxima do "perigo de contágio de moléstia grave". O Código Penal pune com reclusão de um a quatro anos e multa aquele que "praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio".
Outros defendem que a transmissão irresponsável se encaixa na definição de lesão corporal grave. Pelo artigo 129 do código, a lesão corporal grave provoca perigo de vida, incapacidade para o trabalho, perda de funções, enfermidade incurável, e outros. A pena varia de um a oito anos de reclusão.
E há ainda os que afirmam que o contágio é sempre homicídio. "A transmissão de Aids não é só contágio perigoso. É letal. Quando o portador consciente transmite o vírus ele assume o risco deliberado de poder matar a vítima. Isso também é homicídio", afirma Luiz Flávio Gomes, juiz da 26ª Vara Criminal de São Paulo.

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