São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Concorrência desleal tem que ser eliminada

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A indústria nacional tem sido prejudicada por uma concorrência desleal decorrente do contrabando e da prática de preços subfaturados na importação que, em alguns casos, chegam a níveis tão baixos que se tornam ridículos, em face de sua fixação irrisória.
A medida provisória nº 615, editada no dia 14 do corrente mês, procurou enfrentar a questão dos preços aviltantes utilizados na importação de mercadorias estrangeiras, estabelecendo os direitos antidumping e os direitos compensatórios, de sorte a proteger a indústria nacional contra os preços políticos ou subvencionados no país exportador, que acarretem danos ou ameaça ao produtor doméstico.
Como quase sempre acontece, a falta da nova disciplina reside na sua execução. Não se cuidou de estabelecer o procedimento adequado para tornar factível a aplicação dos direitos antidumping e compensatórios.
Com efeito, o artigo 12 da referida medida provisória estabelece que o procedimento administrativo a ser utilizado será, no que couber, o disciplinado na resolução nº 1.227, de 14 de maio de 1987, com as alterações da resolução 1.582, de 14 de fevereiro de 1989, ambas da extinta Comissão de Política Aduaneira.
A referência à adaptação das duas resoluções, de um órgão extinto, às necessidades de aplicação desses direitos, revela características do gênio tecnocrata: olímpico desdenhar da parte executória das medidas ou projetos que concebem.
O procedimento é importante, pois a vigência do direito provisório não poderá exceder a 120 dias e, no caso de dumping, 180 dias.
Inexistindo um procedimento adequado, que garanta o amplo direito de defesa e possibilite uma tramitação acelerada para a instrução e julgamento da matéria, já se pode vislumbrar os incidentes que a aplicação da medida provisória podem acarretar, tirando-lhe grande parte da eficácia.
Chega de boas intenções. O importante é ter-se instrumento de utilização efetiva.
O contrabando tem sido a mazela persistente a minar o desenvolvimento de determinadas indústrias nacionais. Vários fatores possibilitam o seu florescimento no país.
Um faz parte da história. Desde a chegada do colonizador, os nossos índios demonstraram interesse pelos badulaques ofertados, cativando-se pela novidade apresentada.
Essa preferência pela mercadoria estrangeira, em detrimento da nacional, passou a compor um traço da nossa cultura, o que tem favorecido a aceitação de mercadoria contrabandeada.
A existência de um litoral marítimo extenso e de uma fronteira seca ainda maior deixa o território do país vulnerável geograficamente ao tráfico ilícito de mercadorias.
O amplo mercado interno e a persistência durante muito tempo de alíquotas do Imposto de Importação fixadas a níveis proibitivos tornaram o contrabando uma atividade altamente rentável e com poucos riscos, em face do desaparelhamento das instituições destinadas a combatê-lo.
O processo de mudança que vai empolgando o país exige que se reprima o contrabando de forma mais enérgica e produtiva, de sorte a reduzi-lo a proporções mínimas e, se possível, extirpá-lo.
A redução tarifária que se anuncia pode diminuir-lhe a potência, pois é sabido que se contrabandeiam produtos que tenham aceitação na comunidade, mas que os grandes lucros nesse negócio estão vinculados à existência de alíquotas elevadas do Imposto de Importação.
A crise econômica e o desemprego possibilitaram o aparecimento, nas grandes cidades, de verdadeiras feiras nos principais pontos de concentração comercial e trânsito de pessoas, onde os produtos contrabandeados são expostos com tranquilidade à população.
Algumas pessoas, chamadas de sacoleiros, têm-se ocupado em fazer compras no Paraguai, passar pela fronteira e desenvolver um pequeno e lucrativo negócio de vendas desses produtos contrabandeados nas suas cidades de origem.
A Zona Franca de Ciudad del Este, no Paraguai, tem sido uma constante fonte de abastecimento dos vendedores de produtos ingressados ilegalmente no país. O controle aduaneiro da Ponte da Amizade deve ser fortalecido. Embora, por lá, transitem mais de 100 mil pessoas em certos finais de semana, a verdade é que o Brasil tem sido complacente com o atentado à produção interna praticado pelos comerciantes que operam naquela zona franca.
Brinquedos rejeitados no resto do mundo pela sua toxidade são vendidos por preços baixíssimos, estrangulando a produção nacional de mais elevado padrão de qualidade. Ferramentas, instrumentos musicais, material de escritório, bebidas, perfumes, eletroeletrônicos constituem as mercadorias que vão ocupando os mercados nacionais e, ainda, favorecidos pela sonegação de impostos.
O combate a essa situação calamitosa envolve vários órgãos dos governos federal, Estadual e municipal. O mais importante é elevar a taxa de risco do contrabandista.
Vale dizer, criar mecanismos de controle, na Ponte da Amizade, dificultando a sua transposição; realizar sistematicamente batidas integradas por força policial e fiscal nas estradas, para apreensão das mercadorias ilegais, bem como dos respectivos veículos transportadores, investigando-se, nos grandes centros, onde são depositadas as mercadorias e apreendê-las; e, principalmente, utilizar os setores de inteligência do governo, não só para determinar a localização dos depósitos, mas para identificar as instituições financeiras que viabilizam o contrabando volumoso que penetra no Brasil por outros locais.
Recente medida provisória criou a Coordenação de Inteligência na Secretaria da Receita Federal. A sua estruturação, sem tardança, constitui passo decisivo para possibilitar à administração aduaneira os meios para combater com eficácia o contrabando, nos grandes centros de consumo, exatamente por dotá-la de pessoal especializado.
As agressões que o país está sofrendo do contrabando, do subfaturamento, dos produtos importados, dos preços políticos praticados pelos exportadores estrangeiros, está a exigir um novo enfoque do governo na questão, não mais no plano normativo, mas de ação efetiva para modificação da realidade.
Está se formando uma consciência crítica, no sentido de que o contribuinte tem o direito de exigir eficácia do governo e este tem o dever-poder de agir no sentido de coibir as práticas nocivas à economia nacional.

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